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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

O Regime Legal aplicável às “Bodycams” (e o Decreto-Lei n.º 2/2023, de 2 de janeiro)

Através da Lei n.º 95/2021, de 29 de dezembro, foi regulada a utilização e o acesso pelas forças e serviços de segurança e pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil a sistemas de videovigilância para captação, gravação e tratamento de imagem e som. (cfr. art. 1.º da referida Lei).


Com referência às câmaras portáteis de uso individual, prevê o n.º 1 do art. 10.º da referida Lei n.º 95/2021 que “A utilização dos sistemas de câmaras portáteis de uso individual no uniforme ou equipamentos dos agentes das forças de segurança, para efeitos de registo de intervenção individual de agente em ação policial, depende de autorização do membro do Governo que exerce a direção sobre a força de segurança”.


Já em relação à forma de utilização destas câmaras determina o n.º 3 do referido art. 10.º que deverão estar colocadas de forma visível no uniforme, identificadas através de sinalética específica, e os n.ºs 4 a 6 que a captação e gravação de imagem:

a) apenas pode ocorrer em caso de intervenção de elemento das forças de segurança, nomeadamente quando esteja em causa a ocorrência de ilícito criminal, situação de perigo, emergência ou alteração da ordem pública, devendo o início da gravação ser precedido de aviso claramente percetível, sempre que a natureza do serviço e as circunstâncias o permitam; e que

b) é obrigatória quando ocorra o uso da força pública sobre qualquer cidadão ou o recurso a quaisquer meios coercivos, especialmente arma de fogo;

sendo proibida a gravação permanente ou indiscriminada de factos que não tenham relevância probatória.


No mais,


*


Quanto às características e normas de colocação, ativação, sinalização e utilização das câmaras referidas no n.º 1, e a forma de transmissão, armazenamento e acesso aos dados recolhidos, surge então o Decreto-Lei n.º 2/2023, de 2 de janeiro, que entrou em vigor no dia de hoje (cfr. art. 18.º).


Assim,


Através do Decreto-Lei n.º 2/2023, de 2 de janeiro, são definidas as normas de colocação, ativação, sinalização e utilização das câmaras portáteis de uso individual, bem como a forma de transmissão, armazenamento e acesso aos dados recolhidos e as características e requisitos técnicos mínimos das mesmas.


Concretizando a obrigatoriedade da visibilidade das câmaras, determina desde logo o art. 5.º do referido Decreto-Lei que estas serão fixadas ao uniforme, constando junto à parte frontal e superior do tronco, ou, no caso de tal não garantir a captação de imagens, fixa ao equipamento do agente policial, de forma visível e sem obstáculos que impeçam a abrangência total do seu ângulo de captação – cfr. art. 5.º.


Dispõe ainda o art. 9.º do referido Decreto-Lei que a gravação e captação de imagem e som será precedida de um anúncio verbal, claramente percetível e de forma inequívoca, sempre que possível.


Quanto ao recurso e utilização das câmaras portáteis de uso individuais, as mesmas deverão estar em constante “modo de espera”, em constante gravação e subsequente eliminação decorridos 30 segundos, por forma a que, assim que se verifiquem os factos passíveis de utilizar as mesmas, a ativação permita salvaguardar as gravações referentes aos 30 segundos precedentes. – cfr. n.º 1 a 3 do art. 7.º.


Assim, e em termos práticos, haverá registo de imagem e som prévios ao aviso mencionado no art. 9.º, de até 30 segundos.


As situações passiveis de permitir a utilização das mesmas encontram-se explanadas no n.º 4 e 5 do art. 7.º, sendo permitido quando ocorram as seguintes situações:

a) A prática de ilícito criminal;

b) Agressão atual e ilícita dirigida contra o próprio agente policial ou contra terceiros;

c) Desobediência e resistência a ordens legais e legítimas de agente policial, no exercício de funções policiais;

d) Situação de perigo ou emergência ou em operação que envolva risco para o agente policial ou para terceiros;

e) Ação para efetuar a captura ou impedir a fuga de pessoa suspeita da prática de crime punível com pena de prisão;

f) Operação que vise efetuar a prisão de pessoa evadida ou objeto de mandado de detenção ou para impedir a fuga de pessoa regularmente presa ou detida;

g) Situação de alteração da ordem pública;


e obrigatório nas seguintes situações:

a) Uso da força pública sobre qualquer cidadão, nomeadamente quando for aplicado o procedimento de restrição física ou algemagem;

b) O recurso ou uso de quaisquer meios coercivos ou armas policiais, especialmente arma de fogo;

c) A emissão de ordens a suspeitos relativas à cessação de comportamentos ilegais ou agressivos e à adoção de posições de segurança.


Por sua vez, é proibida a gravação permanente ou indiscriminada de factos que não estejam relacionados com o interesse policial probatório, nomeadamente durante a atividade policial de rotina e durante conversas informais mantidas com cidadãos ou outros agentes policiais. – cfr. n.º 6 do art. 7.º.


De frisar ainda que, de acordo com o disposto no n.º 8 do art. 7.º do referido Decreto-Lei, as gravações nos casos expressamente previstos na lei e acima mencionados não carecem de qualquer consentimento por parte das pessoas captadas.


Quanto à gestão e armazenamento dos dados captados, destaca-se o facto de que as mesmas deverão ser destruídas 30 dias após ocorrerem, exceto nas situações previstas no n.º 2 do art. 13.º do referido Decreto-Lei, i.e.,

a) No âmbito de processo de natureza criminal;

b) No âmbito de processo de natureza disciplinar contra agente das forças de segurança;

c) Para apurar a eventual existência de infração disciplinar, quando for o caso, ou criminal por ou contra o agente policial;

d) Para inspecionar as circunstâncias da intervenção policial, sempre que tal seja fundamentadamente determinado pelo dirigente máximo da força de segurança.

- cfr. al. d) do art. 11.º e n.º 5 do art. 12.º.


Tal situação determinará que, nos casos de crimes semipúblicos ou particulares - em que o direito de queixa pode ser legitimamente exercido, no mínimo, até 6 meses após os factos, e sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 247.º do C.P.P. (que impõe a obrigatória de o Ministério Público prestar certas e determinadas informações ao(s) ofendido(s)) – possa ser inviabilizada a utilização das mesmas por exercício dos direitos após os mencionados 30 dias.


Caberá agora aos Tribunais determinar a consequência prática do incumprimento das diversas obrigações legais e da compatibilidade dos preceitos legais no caso concreto, na certeza de que as obrigações legais, em termos práticas, se verificam na medida das consequências do seu incumprimento/inobservância.


Legislação relevante:




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