Em relação aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento releva de forma preponderante o Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, o qual tem por objetivo, alem do mais, salvaguardar os interesses legítimos dos consumidores.
Como tal, prevê o seu n.º 1 do art. 2.º que “O presente decreto-lei é aplicável aos contratos celebrados à distância e aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, tendo em vista promover a transparência das práticas comerciais e salvaguardar os interesses legítimos dos consumidores.”
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A) Exclusões
Primeiramente cumpre referir que este regime não se aplica a todos os contratos, prevendo o n.º 3 do art. 2.º do referido Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro – diploma a que nos referiremos em caso de omissão – diversas exclusões, de entre as quais destacamos, a título meramente exemplificativo, os seguintes contratos:
Contratos relativos à construção, à reconversão substancial, à compra e venda ou a outros direitos respeitantes a imóveis, incluindo o arrendamento [cfr. al. d)];
Contratos relativos a serviços de cuidados de saúde, prestados ou não no âmbito de uma estrutura de saúde e independentemente do seu modo de organização e financiamento e do seu carácter público ou privado [cfr. al. f)];
Contratos de jogo de fortuna ou azar, incluindo lotarias, bingos e atividades de jogo em casinos e apostas [cfr. al. g)]; e
Contratos relativos a bens vendidos por via de penhora, ou de qualquer outra forma de execução judicial [cfr. al. n)].
Já com referência aos bens/serviços propriamente ditos, prevê o art. 17.º do referido Decreto-Lei diversas exclusões, de entre as quais destacamos, a título meramente exemplificativo, as seguintes situações:
Prestação de serviços com obrigação de pagamento, quando: i) Os serviços tenham sido integralmente prestados após o prévio consentimento expresso do consumidor, nos termos do artigo 15.º; e ii) O consumidor reconheça que perde o direito de livre resolução se o contrato tiver sido plenamente executado pelo profissional nesse caso [cfr. al. a) do n.º 1];
Fornecimento de bens confecionados de acordo com especificações do consumidor ou manifestamente personalizados [cfr. al. c) do n.º 1];
Fornecimento de bens selados não suscetíveis de devolução, por motivos de proteção da saúde ou de higiene quando abertos após a entrega [cfr. al. e) do n.º 1]; e
Fornecimento de gravações áudio ou vídeo seladas ou de programas informáticos selados, a que o consumidor tenha retirado o selo de garantia de inviolabilidade após a entrega [cfr. al. h) do n.º 1].
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B) Definições relevantes
Já para compreender, ainda que em parte, o âmbito de aplicação do referido regime legal, será de considerar as definições de alguns conceitos mencionados no referido diploma.
Como tal, para efeitos do respetivo Decreto-Lei,
1. Consumidor, será a pessoa singular que atue com fins que não se integrem no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional (cfr. al. e) do art. 3.º);
2. Contrato celebrado à distância, um contrato celebrado entre o consumidor e o fornecedor de bens ou o prestador de serviços sem presença física simultânea de ambos, e integrado num sistema de venda ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância mediante a utilização exclusiva de uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração (cfr. al. h) do art. 3.º);
3. Contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, o contrato que é celebrado na presença física simultânea do fornecedor de bens ou do prestador de serviços e do consumidor em local que não seja o estabelecimento comercial daquele, incluindo os casos em que é o consumidor a fazer uma proposta contratual, incluindo os contratos:
i) Celebrados no estabelecimento comercial do profissional ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e individualmente, contactado num local que não seja o estabelecimento comercial do fornecedor de bens ou prestador de serviços;
ii) Celebrados no domicílio do consumidor;
iii) Celebrados no local de trabalho do consumidor;
iv) Celebrados em reuniões em que a oferta de bens ou de serviços seja promovida por demonstração perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor ou do seu representante ou mandatário;
v) Celebrados durante uma deslocação organizada pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços ou por seu representante ou mandatário, fora do respetivo estabelecimento comercial;
vi) Celebrados no local indicado pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial feita pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços ou pelo seu representante ou mandatário;
(cfr. al. i) do art. 3.º)
4. Contrato de compra e venda, qualquer contrato ao abrigo do qual o fornecedor de bens e prestador de serviços transfere a propriedade dos bens para o consumidor, incluindo qualquer contrato que tenha simultaneamente por objeto bens e serviços (cfr. al. j) do art. 3.º);
5. Contrato de prestação de serviços, qualquer contrato, com exceção do contrato de compra e venda, ao abrigo do qual o fornecedor de bens ou prestador de serviços presta ou se compromete a prestar um serviço, incluindo um serviço digital, ao consumidor (cfr. al. k do art. 3.º); e
6. Estabelecimento comercial, quaisquer instalações imóveis de venda a retalho, onde o fornecedor de bens ou prestador de serviços exerça a sua atividade de forma permanente, ou quaisquer instalações móveis de venda a retalho onde o fornecedor de bens ou prestador de serviços exerça a sua atividade de forma habitual (cfr. al. m) do art. 3.º).
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Isto posto,
C) Do Prazo para exercer o Direito
De acordo com o art. 10.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, o consumidor tem o direito de resolver o contrato sem incorrer em quaisquer custos (para além dos estabelecidos no n.º 3 do artigo 12.º e no artigo 13.º, quando for caso disso), e sem necessidade de indicar o motivo,
no prazo de 30 dias no caso de contratos celebrados no domicílio do consumidor ou durante uma deslocação organizada pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços ou por seu representante ou mandatário, fora do respetivo estabelecimento comercial;
ou
no prazo de 14 dias
a contar, em termos gerais:
no caso de contrato de prestação de serviços, do dia de celebração do contrato;
e
no caso de contratos de compra e venda, do dia em que o consumidor ou terceiro indicado por este adquira a posse física dos bens.
De frisar que, nos termos do n.º 4 do art. 10.º, nada obsta a que os mencionados prazos possam ser alargados, por acordo entre as partes.
No caso de incumprimento do dever de prestar as referidas informações referentes à existência do direito de livre resolução do contrato (referentes ao respetivo prazo e o procedimento para o exercício do direito, nos termos dos artigos 10.º e 11.º com entrega do formulário de livre resolução constante da parte B do anexo ao referido decreto-leI) determina o n.º 2 do art. 10.º que o prazo para o exercício do direito de livre resolução é de 12 meses a contar da data do termo dos prazos iniciais acima mencionados.
Já caso o fornecedor de bens ou prestador de serviços cumpra (tardiamente) o mencionado dever posteriormente, os s prazos de 14 ou 30 dias contar-se-ão a partir da respetiva notificação, tal como preceitua o n.º 3 do art. 10.º.
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D) Deveres de informação/comunicação
Em relação às obrigações de comunicação, o art. 4.º determina que, antes de o consumidor se vincular a um contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial, ou por uma proposta correspondente, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve facultar-lhe, em tempo útil e de forma clara e compreensível, diversas informações, de entre as quais “[q]uando seja o caso, a existência do direito de livre resolução do contrato, o respetivo prazo e o procedimento para o exercício do direito, nos termos dos artigos 10.º e 11.º com entrega do formulário de livre resolução constante da parte B do anexo ao [respetivo] decreto-lei”.
Já o n.º 3 do referido art. 4.º prevê que estas informações podem ser prestadas mediante o modelo de informação sobre o direito de livre resolução constante da parte A do anexo ao respetivo decreto-lei, do qual faz parte integrante, considerando-se que o fornecedor de bens ou prestador de serviços cumpriu o dever de informação quanto a esses elementos se tiver entregado ao consumidor essas instruções corretamente preenchidas.
Nesta sequência, determina ainda o n.º 5 do art. 5.º que, quando o contrato for celebrado através de um meio de comunicação à distância com espaço ou tempo limitados para divulgar a informação, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve facultar, nesse ou através desse meio específico, antes da celebração do referido contrato, pelo menos, as informações pré-contratuais relativas às características principais dos bens ou serviços, à identidade do profissional, ao preço total, ao direito de retratação, ao período de vigência do contrato e, se este for de duração indeterminada, às condições para a sua rescisão.
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Ainda que a título de contextualização, estes deveres/obrigações podem ainda ser enquadradas noutros diplomas legais aplicáveis nos casos em apreço, como por exemplo
a) na Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho), prevendo o n.º 1 do art. 8.º que “O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na fase de celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objetiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto” [passando a enunciar um leque de informações exemplificativo] (mais determinando o seu n.º 5 que “O fornecedor de bens ou o prestador de serviços que viole o dever de informar responde pelos danos que causar ao consumidor, sendo solidariamente responsáveis os demais intervenientes na cadeia da produção à distribuição que hajam igualmente violado o dever de informação”.
b) na Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de julho), prevendo o n.º 1 do art. 4.º que “prestador do serviço deve informar, de forma clara e conveniente, a outra parte das condições em que o serviço é fornecido e prestar-lhe todos os esclarecimentos que se justifiquem, de acordo com as circunstâncias”; ou
c) na Lei das Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto), prevendo o n.º 1 do art. 120.º que “As empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, com exceção dos serviços de transmissão utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, devem, previamente à celebração de um contrato, disponibilizar ao consumidor as informações referidas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, e no artigo 8.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, consoante estejam, ou não, em causa contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento comercial”.
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Por fim, não podemos deixar de mencionar que, em princípio, será de aplicar às situações subjacentes aos contratos a que nos referimos o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro [Cláusulas Contratuais Gerais].
Assim, de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las [n.º 1], a qual deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência [n.º 2] – [dever de comunicação].
Já de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique – [dever de informação].
Em caso de violação dos mencionados deveres, prevê as als. a) e b) do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro que tais cláusulas poderão ser consideradas excluídas dos contratos singulares.
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E) Trâmites subsequentes (regime regra em termos sucintos)
No caso de exercer, de forma inequívoca, o direito de livre resolução, (por carta, por contacto telefónico, pela devolução do bem ou por outro meio suscetível de prova) [cfr. art.11.º]
a) o fornecedor de bens ou prestador de serviços deverá reembolsar o consumidor dos pagamentos recebidos, sob pena de, não o fazendo, ficar obrigado a devolver em dobro os montantes pagos no prazo de 15 dias úteis, sem prejuízo do direito a indemnização [cfr. art. 12.º]; e
b) o consumidor deve devolver ou entregar o bem ao fornecedor de bens ou a uma pessoa autorizada para o efeito no prazo de 14 dias a contar da data em que tiver comunicado a sua decisão de resolução do contrato [cfr. art. 15.º].
De frisar que este regime é a regra, admitindo e estando previstas na lei diversas exceções que aqui nos escusamos de referir, remetendo para o respetivo regime legal aplicável.
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