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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

O Direito ao Silêncio (breves notas)

O direito ao silêncio corresponde a uma concretização e manifestação expressa do principio do direito à não auto-incriminação (nemu tenetur se ipsum accusare). Estes dois não correspondem a direitos equivalentes, integrando-se neste último o direito ao silêncio.


Como concretiza o Tribunal Constitucional com referência à ligação entre estes dois direitos, o direito ao silêncio “traduz-se na faculdade reconhecida ao arguido de não se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados, diferentemente do que sucedia nos processos regidos pelo princípio do inquisitório em que as declarações obrigatórias do arguido, maxime a confissão forçada, tendem a convertê-lo em instrumento da sua própria condenação”, enquanto que o direito à não autoincriminação “impede a transformação do arguido em meio de prova por via de uma colaboração involuntária obtida com recurso a meios coercivos ou enganosos”. (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional Nº 298/2019, de 15 de maio).


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Por sua vez, o próprio direito ao silêncio é assegurado por outros direitos fundamentais, com sucede com a liberdade de prestar declarações sem estar obrigado a dizer a verdade e de se sujeitar a sanções ou proibições de valoração probatória de silêncio, (ou, noutras palavras, é assegurado pela liberdade para mentir).


De facto, no âmbito da tutela do presente princípio, como evidencia a jurisprudência dos Tribunais Superiores, a sua importância e reconhecimento releva a sua previsão no direito internacional, quer implicitamente, como sucede no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem., quer expressamente, como sucede na al. g) do art. 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (“Durante o processo, toda a pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (…) g) A não ser obrigada a prestar declarações contra si própria nem a confessar-se culpada.”).


Mais recentemente, a Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência (e do direito de comparecer em julgamento em processo penal), veio materializar de forma preponderante o respetivo princípio, estabelecendo no seu art. 7.º que “1.Os Estados-Membros asseguram que o suspeito ou o arguido têm o direito de guardar silêncio em relação ao ilícito penal que é suspeito de ter cometido ou em relação ao qual é arguido; (…) 5. O exercício do direito de guardar silêncio e do direito de não se autoincriminar dos suspeitos ou dos arguidos não deve ser utilizado contra os mesmos, nem pode ser considerado elemento de prova de que cometeram o ilícito penal em causa. (…)”.


No Código Processual Penal vigente no nosso ordenamento jurídico vem o direito ao silêncio desde logo previsto na al. d) do art. 61.º do C.P.P., sendo um direito do arguido Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar”, e concretizado no n.º 1 do art. 343.º do C.P.P., sendo que, no âmbito das declarações do arguido, “O presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo”.


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Quanto às consequências do exercício do direito ao silêncio inerente à posição processual do Arguido, ainda que não o possa prejudicar, certo é que também não o poderá beneficiar. Como concretiza a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “(…) a opção pelo silêncio pode ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida: ao não falar o arguido prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e o arrependimento” (cfr. Acórdão do S.T.J., proferido no âmbito do processo 08P295, de 20/02/2008), bem como de causas de exclusão de culpa ou de ilicitude (vide, a título exemplificativo, arts. 31.º a 39.º e 70.º a 74.º, todos do Código Penal).

Por outro lado, este princípio não beneficia de um carácter absoluto/sem restrições, admitindo-se restrições em certas e determinadas circunstâncias casuisticamente analisadas, mas que, e considerando a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, se podem concretizar em consideração às seguintes circunstâncias:a) Valoração enquanto passível de corroborar e atribuir (ou não) credibilidade a outras provas; b) Valoração quando se trate de um silêncio injustificado, ou seja, quando resulte das máximas da experiência que, havendo uma explicação plausível para determinada realidade, qualquer indivíduo normal e nas mesmas circunstância, apresentaria uma versão (se tivesse), quando a probabilidade intrínseca às provas produzidas “imponham” uma explicação; e c) que o acusado tenha sido informado das circunstâncias de valoração do silêncio, o fizer livremente e estiver devidamente assistido por defensor.


Ou seja, no que diz respeito ao direito ao silêncio, ainda que não possa prejudicar o arguido, certo é que também não o poderá beneficiar, sendo em termos práticos, inevitavalmente, e nomeadamente enquanto julgado por Humanos, o mesmo analisado dentro dos limites possíveis, e interpretado à luz da demais prova produzida.


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Desta forma, considerando a provável convicção do Tribunal com base nas provas produzidas ou a produzir, valorizando e analisando criteriosamente os riscos e benefícios inerentes ao silêncio ou a falar (ou, até mesmo, a confessar, ainda que parcialmente), será o Advogado quem em melhores condições estará para delinear o melhor rumo a tomar.


Nota final: O não benefício aqui mencionado em nada contende com o princípio in dúbio pro reo ou da da presunção da inocência, pois que o mencionado “não benefício” não implica inversão do ónus da prova.



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