Foi publicado hoje no Diário da República n.º 202/2021, Série I, o Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, que “regula os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, transpondo as Diretivas (EU) 2019/771 e (EU) 2019/770”, e que irá entrar em vigor em 1 de janeiro de 2022.
Este Decreto-Lei tem como objeto o reforço dos direitos dos consumidores na compra e venda de bens de consumo, e o regime de proteção dos consumidores nos contratos de fornecimento de conteúdo ou serviços digitais, bem como o regime aplicável à compra e venda de bens imóveis em caso de falta de conformidade, a responsabilidade do produtor, dos prestadores de mercado em linha e o regime sancionatório (cfr. art. 1.º).
Já quanto ao seu âmbito de aplicação, de entre outros, temos os contratos de compra e venda celebrados entre consumidores e profissionais e o fornecimento no âmbito de contratos de empreitadas ou outras prestações de serviço (cfr. art. 3.º), ficando de fora do seu âmbito de aplicação as compras e venda por fia de penhoras ou outras formas de execução judicial/através de autoridade pública, e a compra e venda de animais (cfr. art. 4.º).
Encontra-se identificado neste diploma, de entre outros, os requisitos subjetivos e objetivos de conformidade de bens a que se encontram adstritos os bens e cujo incumprimento acarreta as consequências legais aí previstas, bem como os direitos e formas de exercício dos mesmos. Isto, quer no âmbito de contratos de compra e venda (Capítulo II), quer no âmbito do fornecimento de conteúdos e serviços digitais (Capítulo III), preenchendo uma lacuna vigente no ordenamento jurídico neste âmbito, e conformando assim o regime aplicável com o vigente na União Europeia.
Alguns destaques:
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Quanto à responsabilidade pela falta de conformidade dos bens móveis, esta recairá sobre o profissional desde que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega dos bens, podendo ser reduzido a 18 meses se se tratar de um bem recondicionado, sendo obrigatória essa menção na fatura. Ou seja, verifica-se uma extensão do prazo em 1/3 do imposto legalmente na legislação em vigor.
Não obstante esta extensão de prazo, prevê o art. 13.º que, no que ao ónus da prova diz respeito, o facto subsumível à falta de conformidade presume-se existente à data da entrega do bem nos dois anos seguintes a esta, ou a um ano após a entrega, no caso do bem recondicionado, o que coincide com os prazos em vigor à data.
Decorridos estes prazos, e até aos prazos objeto de extensão, recairá sobre o consumidor o ónus de prova de que a falta de conformidade existia à data da entrega do bem. (cfr. arts. 12.º e 13.º).
Realidade esta subjacente à extensão dos prazos que, em bom rigor, e na nossa opinião, surtirá poucos efeitos práticos, salvo raras ocasiões, em virtude da dificuldade probatória inerente à inversão do ónus que passa a recair sobre o consumidor após os prazos de dois e um ano, respetivamente.
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Quanto aos direitos do consumidor, poderão passar (como já sucede) pela reposição da conformidade através da reparação ou substituição do bem, pela redução proporcional do preço ou pela resolução do contrato, devendo ser exercidos no prazo de dois anos após a data da comunicação da falta de conformidade, considerando para esse efeito os critérios de suspensão do prazo.
No entanto, e ao contrário do que sucede atualmente, passa a estar prevista uma hierárquica no que diz respeito à escolha de entre as opções, e os requisitos que admitem a sua exigibilidade.
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Já caso a falta de conformidade se verifique no prazo de 30 dias após a entrega, o consumidor poderá exigir de imediato a substituição do bem ou a resolução do contrato. (cfr. art. 16.º).
Destacamos ainda o facto de que, em caso de reparação, esta deverá ocorrer, em regra, no prazo de 30 dias, beneficiando o bem móvel de um prazo de garantia adicional automático de seis meses por cada reparação, até ao limite de quatro reparações. (cfr.art. 18.º).
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Destacamos ainda o facto de que o produtor estar obrigado a disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens durante o prazo de 10 anos após colocar no mercado a última unidade do bem.
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No que diz respeito à compra e venda de bens imóveis, o profissional, o profissional passa a responder perante o consumidor por falta de conformidade (nos termos do disposto no art. 22.º), durante 10 anos após a entrega do bem (ou seja, mais cinco do que o regime em vigor), no que diz respeito a elementos construtivos e4struturais, e durante 5 anos, no caso das restantes faltas de conformidade.
Caso tal se verifique, o consumidor terá direito à reparação, substituição, redução proporcional do preço ou resolução do contrato (salvo se consubstanciar abuso de direito), direitos esses que deverão ser exercidos no prazo de três anos após comunicar a falta de conformidade.
(cfr. arts. 22.º a 25.º).
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Por fim, de informar que
a) O Decreto-Lei entra em vigor no dia 01 de janeiro de 2022;
b) Com a entrada em vigor do presente Decreto-Lei é revogado o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril e os artigos 9.º-B e 9.º-C da Lei n.º 24/96, de 31 de julho;
c) São nulas as cláusulas ou acordos através das quais se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no referido Decreto-Lei (cfr. art. 51.º);
d) As alterações legislativas aplicam-se apenas aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor (i.e., 1 de janeiro de 2022), com exceção dos conteúdos ou serviços digitais que sejam fornecidos a partir de 1 de janeiro de 2022 no âmbito de contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais celebrados anteriormente. (cfr. art. 55.º); e que
e) De acordo com o n.º 4 do art. 52.º, “Os direitos previstos no presente decreto-lei não prejudicam o direito do consumidor a ser indemnizado nos termos gerais”, admitindo-se assim a eventual cumulação com montantes devidos a título de indemnização por danos causados em virtude da violação das obrigações legalmente previstas.
Nota final:
Todos os artigos referidos dizem respeito ao Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro.
Referências:
Definições aqui (mais) relevantes:
Profissional: “uma pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que atue, inclusivamente através de qualquer outra pessoa em seu nome ou por sua conta, para fins relacionados com a sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei” (al. o) do art. 2.º);
Consumidor: “uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional” (al. g) do art. 2.º);
Bens imóveis: “prédios urbanos para fins habitacionais, entendendo-se como tal qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro, sendo parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência” (cfr. al. d) do art. 2.º);
Bens recondicionados: “bens que foram objeto de utilização prévia ou devolução e que, após inspeção, preparação, verificação e testagem por um profissional, são novamente colocados para venda no mercado nessa qualidade” (cfr. al. e) do art. 2.º).
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