Em termos gerais, e parafraseando o Supremo Tribunal de Justiça, as Cláusulas Contratuais Gerais consistem em “[n]um conjunto de proposições pré – elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar”.
Ora, em virtude da sua proliferação na sociedade - arriscando-nos a afirmar que qualquer adulto, ao longo da sua vida, irá outorgar diversos contratos onde se encontrem estas cláusulas – quer seja de telecomunicações, de abertura de conta bancária; presencialmente, à distância; em formato físico ou eletrónico – estas cláusulas estão sujeitas a um regime próprio, consagrado em diversa legislação, de entre a qual se destaca de forma preponderante o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.
Já a sua aplicação é da mais variada e imaginável natureza, tratando-se assim essencialmente de cláusulas elaboradas “sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar” ou de cláusulas “inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.” (cfr. n.ºs 1 e 2 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro). Exceção a esta regra serão, pois, os contratos previstos no art. 3.º do referido Decreto-Lei (i.e., a) cláusulas típicas aprovadas pelo legislador; cláusulas que resultem de tratados ou convenções internacionais vigentes em Portugal; contratos submetidos a normas de direito público; atos do direito da família ou do direito das sucessões; e de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho).
Inerentes a estas cláusulas encontramos diversos deveres, dos quais se destacam o dever de comunicação e de informação, previstos expressamente nos arts. 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, e cuja violação, abstratamente, determina a sua exclusão do contrato, nos termos das als.a) e b) do art. 8.º, com os efeitos legais daí decorrentes, tendo em vista geralmente a proteção da parte/contraente “mais fraco/vulnerável”.
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Já no que diz respeito aos direitos do consumidor propriamente ditos, concretização do previstos no n.º1 do art. 60.º da Constituição da República Portuguesa (que prevê que “Os consumidores têm, direito á qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação (…)”) determina o n.º 1 do art. 8.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho (Lei de defesa do consumidor), que “O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na fase de celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objetiva e adequada”, e os n.ºs 1, 2 e 3 do art. 9.º da mesma Lei, no âmbito do direito à proteção dos interesses económicos e dos princípios da boa fé e da lealdade, que, “Com vista à prevenção de abusos resultantes de contratos pré-elaborados, o fornecedor de bens e o prestador de serviços estão obrigados (…) à redação clara e precisa, em caracteres facilmente legíveis, das cláusulas contratuais gerais, incluindo as inseridas em contratos singulares (…)”, sujeitando o seu regime ao regime geral das clausulas contratuais gerais.
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Ao longo do tempo os Tribunais têm sido chamados a pronunciar-se sobre diversas cláusulas, classificando-as como proibidas, quer em termos absolutos, quer em termos relativos, podendo estas ser consultadas, entre outros, através do link http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=837&tabela=leis&so_miolo , em anotação a título demonstrativo aos artigos 12.º, 15.º, 16.º, 18.º, 21.º e 22.º.
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Mais recentemente, através da Lei n.º 32/2021, de 27 de maio, verificou-se uma alteração de enorme relevância ao referido Decreto-Lei, mediante a qual o legislador decidiu ser absolutamente proibida a previsão de uma qualquer cláusula que se encontre redigida com um tamanho de letra inferior a 11 ou a 2,5 milímetros, e com um espaçamento entre linhas inferior a 1,15.
De forma meramente demonstrativa, passamos a expor este parágrafo nas letras com o tamanho 11 e com o tamanho 8 (tendo conhecimento de inúmeros contratos inclusive redigidos com letra de tamanho inferior), ambos com espaçamento de 1,15, evidenciando que, nos contratos físicos, se revelará serem praticamente todos os contratos e suas cláusulas redigidas em violação do novo preceito legal.
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Ora, sem prejuízo de a alteração ter entrado em vigor em 26 de agosto de 2021, e de o legislador ter determinado tais cláusulas absolutamente proibidas, e isto com referência única e exclusivamente ao tamanho com que se apresentam, iremos então perceber nos tempos vindouros como é que, à luz dos normativos acima mencionados, nomeadamente a alteração legislativa operada e o previsto na lei de defesa do consumidor (sendo consumidor “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.” (cfr. n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) os tribunais irão determinar a aplicação prática desta proibição aos contratos já existentes, derrogando (ou não) a posição adotada pelo legislador, podendo dar azo à exclusão de inúmeras cláusulas contratuais constantes de contratos celebrados e à muito em vigor, sem prejuízo de, entre outros, dos limites da boa fé, do cumprimento das demais obrigações e respetivo ónus da prova inerentes às Cláusulas Contratuais Gerais e ao cumprimento das obrigações, bem como do instituto do abuso do direito.
Por outro lado, iremos verificar que contratos de dezenas de páginas que “impediam” a sua leitura ao cidadão comum poderão tornar-se, facilmente, contratos com centenas de páginas, pelo que só o futuro dirá as consequências práticas e eventuais benefícios desta alteração legislativa.
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