Analisa os rendimentos (mínimos) a ceder ao fiduciário no âmbito da exoneração de passivo restante.
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O Processo de Insolvência corresponde, acordo com o n.º 1 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março (doravante designado por C.I.R.E.), a
“um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”,
Neste processo pode figurar como parte, além do mais, as pessoas singulares (cfr. al. a) 1.ª parte do n.º 1 do art. 2.º do C.I.R.E.).
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Tratando-se de uma situação de insolvência de uma pessoa singular, poderá ser-lhe concedida a exoneração de passivo restante, i.e., a “exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos do presente capítulo”. – cfr. art. 235.º do C.i.R.E..
Excluem-se, no entanto, para este efeito, os seguintes créditos:
a) Os créditos por alimentos;
b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade;
c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações;
d) Os créditos tributários e da segurança social.
- cfr. n.º 2 do art. 245.º do C.I.R.E..
Para tanto, deverá tal ser requerido nos termos do art. 236.º ss do C.I.R.E., que aqui não cumpre desenvolver.
Para determinar o rendimento disponível, concretiza o n.º 3 do art. 239.º do C.I.R.E. que
“Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro [Cessão e penhor de créditos futuros], pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.”
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Ora,
No caso em apreço, foi proferido Despacho a determinar que, no que concerne ao rendimento disponível a considerar,
“Assim, face à composição do agregado e às condições de vida resultantes do processo e consideradas provadas, fixa-se ao insolvente como rendimento disponível, todo aquele que exceder o valor de um salário mínimo nacional.
Tal valor será multiplicado por doze meses, a iniciar-se com o trânsito deste despacho uma vez que já foi proferido despacho de encerramento do processo.”
Inconformado, o insolvente interpôs recurso, entendendo que deveria o Tribunal ter considerado o SMN x 14 (i.e., considerando subsídio de natal e de verão), ou invés do SMN x 12, conforme fez.
Para o efeito, alicerçou a sua posição nos argumentos que se passam a transcrever:
a) O facto de se considerar como retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho – art. 258.º do Código do Trabalho;
b) A circunstância de o trabalhador ter direito a tal contrapartida mensal 14 vezes no ano (incluindo os subsídios de férias e Natal – arts. 263.º, 264.º e 273.º do Código do Trabalho);
c) O entendimento de que o legislador, ao fixar o valor da remuneração mínima mensal garantida ao trabalhador, levou em consideração o valor anual que o mesmo tem direito a auferir, ou seja, 14 retribuições anuais ao longo do ano civil;
d) Serem essas 14 retribuições anuais, no valor correspondente à RMMG, que garantem o almejado mínimo indispensável ao sustento do trabalhador – devedor a que alude o artigo 239.º n.º 3, al. b), i);
e) O facto de o legislador, já noutras dimensões, ter considerado as 14 retribuições anuais como forma de cálculo para atribuição de outros direitos, nomeadamente subsídios de renda, como demonstra o DL n.º 158/2006, que aprovou os regimes de determinação do rendimento anual bruto corrigido e a atribuição do subsídio de renda, designadamente no seu art. 3.º.
8. O montante mensal indisponível deve, então, fixar-se em € 956,67, em resultado da aplicação da fórmula RMMGx14:12M, por se considerar ser esse o valor indispensável ao sustento minimamente digno do insolvente, sem que haja violação do princípio da essencial dignidade da pessoa humana, constitucionalmente consagrado. “.
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Entende o Tribunal da Relação do Porto que os critérios objetivos a considerar pelos Tribunais Superiores são, quer o SMN, quer o RSI, sendo que a referência ao SMN para este efeito advém do entendimento do TC de que este “constitui uma remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades decorrentes da sobrevivência digna do trabalhador.”
No entanto, dever-se-á considerar o equilíbrio entre o “interesse do credor” e o “interesse do devedor” no pagamento e na manutenção da vida condigna, respetivamente,
Em relação aos subsídios de férias e de Natal, entendeu o referido aresto que estes são “considerados prestações complementares destinadas a retribuir o trabalhador, em alturas do ano em que os gastos são mais elevados, com um acréscimo monetário destinado justamente a permitir a satisfação dessas necessidades” e, desta forma, “não são imprescindíveis para o sustento minimamente condigno do devedor/insolvente, pelo que os mesmos têm de ser, na medida em que ultrapassam o valor do salário fixado a título de rendimento disponível incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência.”
De maneia a que julgou o recurso improcedente.
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Sumário:
“I - Os subsídios de férias e de natal não estão excluídos da cessão ao fiduciário na medida em que ultrapassem o montante retributivo mensal considerado minimamente digno para a subsistência do devedor.
II - Face ao disposto no artigo 239º, n.º 3 CIRE faz englobar, no rendimento disponível para os credores, todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, para lá de 1 salário mínimo nacional, os subsídios de férias e de Natal, não exceptuados na fixação do rendimento, são rendimentos disponíveis do devedor.”
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