Analisa a falta de pagamento da retribuição, na decorrência da suspensão preventiva (no âmbito de procedimento disciplinar), enquanto justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador
*
Em relação ao procedimento disciplinar, com relevo para o caso em apreço, prevê o n.º 1 do art. 353.º do Código do Trabalho (C.T.) que “No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.”
Por sua vez, havendo inconveniente na presença do trabalhador arguido na empresa, o empregador pode suspender este, quer com a notificação da nota de culpa, quer nos 30 dias antecedentes a esta, nos termos e em conformidade com o n.º 1 e 2 do art. 354.ºe n.º 5 do art. 329.º, ambos do C.T:.
Certo é que, independentemente da data da suspensão, com esta mantém-se a obrigação de pagamento da respetiva retribuição.
*
Já em relação à justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, determina o n.º 1 do art. 394.º do C.T. que “Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato”.
De entre os comportamentos que consubstanciam justa causa de despedimento, encontram-se nomeados a falta culposa de pagamento pontual de retribuição, bem como a falta não culposa de pagamento pontual de retribuição (cfr. als. a) do n.º 2 e al. b) do n.º 3, ambos do art. 394.º do C.T.).
Isto, sendo certo que, além do mais, se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias (cfr. n.º 5 do art. 394.º do C.T.) e que, nos termos do n.º 1 do art. 396.º do C.T:, em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º (no qual se inclui a referida al. a) – falta culposa de pagamento pontual de retribuição, presumida nos termos do n.º 5), o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidade.
No mais, de frisar que a retribuição consubstancia um elemento essencial inerente ao contrato de trabalho (“mediante retribuição” – art. 11.º do C.T.), e que o pagamento da retribuição constitui um dos deveres principais do empregador, bem como uma das garantias principais do trabalhador (cfr. al. b) do n.º 1 do art. 127.º e al. d) do n.º 1 do art. 129.º, ambos do C.T.)
[“O empregador deve, nomeadamente (…) b) Pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho”, e “É proibido ao empregador (…) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho]
Quanto ao lugar e tempo do cumprimento, estipula o n.º 1 do art. 277.º do C.T. que “A retribuição deve ser paga no local de trabalho ou noutro lugar que seja acordado, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior” e o n.º 1 e 4 do art. 278.º do C.T. que “O crédito retributivo vence-se por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário” e “O montante da retribuição deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior”.
*
Ora,
No caso em apreço, e de forma sintética, no mês subsequente à suspensão do trabalhador, o empregador tentou proceder ao pagamento da remuneração mensal do trabalhador suspenso, tendo este recusado.
Posteriormente, e ao longo de 1 ano em que o procedimento disciplinar esteve pendente, não foi paga ou disponibilizado o pagamento da respetiva retribuição ao trabalhador.
De maneira a que o trabalhador propôs a competente ação, fundamentando na falta culposa de pagamento pontual de retribuição, e exigindo a inerente indemnização associada.
Assim, atento o direito e a factualidade acima versada, entendeu o Tribunal da Relação que
“Por força do princípio da boa fé, que assume especial relevância nas relações jurídicas intuito personae, como é o caso da relação laboral, e está expressamente previsto no art.º 126.º, n.º 1 do Código do Trabalho, como se fez constar da decisão recorrida, “recebendo o Autor a sua retribuição no seu local de trabalho e estando suspenso de funções, com expressa menção quanto à inconveniência da sua presença, cumpriria à Ré disponibilizar-se para proceder ao pagamento da sua retribuição por outro meio ou noutro local. Mais, recebendo o autor em dinheiro dentro de envelopes cumpriria também à ré ter provado, pretendendo prevalecer-se da denominada mora do credor, que a retribuição mensal do Autor estava à sua disposição no seu local de trabalho (dia e momento), conferindo-lhe autorização para aí se deslocar para esse efeito, prova essa que não fez”.
Perante este quadro, ao invés do sustentado pela Ré, é de concluir pela ausência de mora do credor, não tendo a Ré logrado demonstrar que a falta de cumprimento não proviesse de culpa sua”.
No mais, entendeu que
“No presente caso, conforme resulta dos factos provados, Autor esteve sem receber a retribuição por vários meses, tendo assinalado na comunicação que dirigiu à Ré que “não lhe restava outra opção” que não seja a “resolução do contrato com efeitos imediatos e com justa causa”.
Não obstante o carácter sintético de tal declaração, a mesma permite à Ré e ao tribunal entender os motivos que estão na base da resolução contratual, não se devendo olvidar que o trabalhador não tem ao seu dispor outros meios legais que lhe permitam ultrapassar a crise contratual.
Na apreciação da justa causa, deve atender-se à globalidade dos factos provados, a fim de se aferir o que, em termos médios, seria exigível a qualquer trabalhador colocado na situação do trabalhador em presença. Como assinalado na decisão recorrida “(…) procurando justamente esta apreciação, dirá o tribunal, (…), que ao autor não era de todo exigível manter o vínculo com a ré. Aliás, a sua expressão, constante do escrito resolutivo, quando se refere ao facto de não ter outra opção senão resolver o contrato de trabalho, é bastante significativa. Três meses sem auferir retribuição, sobretudo quando estamos perante um valor que sequer se pode qualificar de elevado, estando, aliás, muito próximo de uma qualificação de mediano/baixo, representa um prejuízo sério na vida de qualquer pessoa, sobretudo de pensarmos que o autor era trabalhador da ré desde 1975, não dando nota os autos que tivesse qualquer outra fonte de rendimento. E se é verdade que como fundamento da resolução apenas relevam as sobreditas retribuições, já na avaliação global da justa causa e dos pressupostos a que temos que recorrer nos termos do art.º 394.º, n.º 4, estamos perante omissão retributiva que perdurava há praticamente um ano, sem que nos autos se surpreenda ou a ré tenha sequer tentado demonstrar, que foi tentada uma aproximação com o autor com vista a sanar o incumprimento. Uma relação laboral como a em presença, isto é, que remonta a 1975, a par da situação em que foi colocado o autor – no fundo, suspenso no âmbito de um procedimento disciplinar cujo fim nunca viu – legitima dúvida do comportamento futuro da ré e, em rectas contas, a perda da confiança inerente ao vínculo laboral”.
Perante o quadro descrito, apenas nos resta concluir pela verificação de todos os requisitos legais para a resolução do contrato com justa causa (subjectiva) por parte do Autor, improcedendo a presente questão.”
Pelo que negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida, a qual havia reconhecido a justa causa de resolução do contrato do trabalhador suspenso em virtude de a factualidade descrita consubstanciar uma falta culposa de pagamento pontual de retribuição por parte do empregador.
*
Sumário:
“
I - Considera-se ocorrer justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador quando este se encontra sem receber retribuição durante mais de três meses, estando suspenso preventivamente no âmbito de um processo disciplinar que a entidade patronal lhe instaurou e não chegou a concluir.
II - A suspensão preventiva do trabalhador confere a este o direito a não trabalhar e a continuar a auferir a retribuição, beneficiando da presunção prevista no n.º 5, do artigo 394.º, do Código do Trabalho.
“
Comments