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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Lisboa, proferido no âmbito do processo 2484/24.2T8SNT.L1-1, datado de 11-07-2024

Analisa a consequência processual derivada do pagamento, do valor alegadamente em dívida, invocado pelo alegado credor em sede de requerimento de declaração de insolvência fundado na dissipação de bens (al. d) do n.º 1 do art. 20.º do C.I.R.E.), após citação do alegado devedor/requerido.

 

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Como decorre do n.º 1 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março (doravante designado por CIRE e diploma ao qual nos referidos em caso de omissão), “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”.

 

No que diz respeito à legitimidade para propor a competente ação, prevê o art. 19.º do CIRE que “Não sendo o devedor uma pessoa singular capaz, a iniciativa da apresentação à insolvência cabe ao órgão social incumbido da sua administração, ou, se não for o caso, a qualquer um dos seus administradores”.

 

Já o art. 20.º do CIRE determina a legitimidade de outros interessados, nomeadamente por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, desde que verificados diversos pressupostos.

 

De entre os pressupostos para o efeito encontram-se, entre outras, a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas (al. a) do n.º 1 do art. 20.º), a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (al. b) do n.º 1 do art. 20.º) e dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos (al. d) do n.º 1 do art. 20.º).

 

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Ora,

 

No caso em apreço, determinada empresa requereu a insolvência de um alegado devedor, alegando para o efeito que se encontrava me dívida o valor global de €19.302,10, e enquadrando/fundado os factos subjacentes ao pedido na dissipação de bens (al. d) do n.º 1 do art. 20.º do CIRE).

 

Ou seja, não obstante alegar o vencimento de quantias em dívida que, por exemplo, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (al. a) do n.º 1 do art. 20.º do CIRE), certo é que a requerente enquadrou os factos noutro fundamento, i.e., dissipação de bens (al. d) do n.º 1 do art. 20.º do CIRE).

 

Após citada da referida ação, a requerida procedeu ao pagamento das quantias peticionadas pela requerente, no montante global de €19.302,10, alegando, além do mais, e em face de a requerente não ter desistido do pedido após pagamento das respetivas quantias, a inutilidade superveniente da lide.

 

A requerente pugnou pela procedência da ação, em virtude de os fundamentos do processo de insolvência se prenderem, não com o não pagamento per se, mas sim com a alegada dissipação de bens.

 

O Tribunal a quo decidiu pela inutilidade superveniente da lide, na sequência do pagamento efetuado pela requerida, e consequente absolvição do pedido da requerida.

 

Inconformada com a decisão, a requerente recorreu da referia decisão, alegando que o Tribunal a quo deveria ter dado como provada uma panóplia de factos não impugnados expressamente pela requerida, referentes a comportamentos por si adotados, bem como que “alienação dos bens – meios e factores de produção – levada a cabo pelo sócio gerente AS, deixando a Requerida sem condições de exercer a única atividade que lhe conhecia, consubstancia violação de normas legais imperativas de proteção dos credores da devedora, do mercado e da economia em geral, revelada pela violação do dever específico de apresentação à insolvência previsto pelo art.º 18º do CIRE, pelos institutos falimentares da resolução extrajudicial de negócios prejudiciais aos credores (artigos 120º e ss. do CIRE), e pela responsabilização insolvencial por via da qualificação da insolvência (artigos 186º e ss. do CIRE).”

 

Nessa sequência,

 

Decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa que “O que está em causa, em primeira linha, é aferir da legitimidade processual do requerente do processo de insolvência para continuar a intervir no processo e não verificar se se justifica, ou não, pronúncia quanto ao decretamento da declaração de insolvência da sociedade devedora, sendo que se trata de questão (legitimidade) que é de conhecimento oficioso, o que significa que, quanto a essa matéria, o tribunal não está vinculado à conformação que as partes dão à instância de insolvência”.

 

Assim, independentemente dos factos alegados pela requerente, considerando que o n.º 1 do art. 20.º do CIRE concede legitimidade para requerer a declaração de insolvência a diversas entidades, alicerçando-se a requerente na qualidade de credor – e perdendo a requerente essa qualidade de credor na pendência do processo em virtude dos pagamentos levados a cabo pela requerida após citada, impõe-se concluir pela ilegitimidade superveniente do requerente e declarar a mesma, com a consequente absolvição da requerida da instância e não do pedido.

 

De maneira a que decidiu o Tribunal da Relação pela absolvição da requerida da instância por ilegitimidade processual superveniente da requerente do processo.

 

  

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Sumário:

“1.– O legislador conferiu expressamente àquele que se arroga a qualidade de credor, “ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito” a legitimidade para requerer a declaração de insolvência (art. 20.º, n.º 1 do CIRE), tratando-se de regulação que remete para o campo da legitimidade processual, de cariz adjetivo, aferindo-se em termos similares aos que decorrem do processo civil, ponderando o conceito expresso no art. 30.º, sendo que a legislação processual civil é subsidiariamente aqui aplicável, como decorre do art. 17.º, n.º1 do CIRE; exige-se, pois, que o requerente da insolvência alegue a fonte da obrigação da devedora, justificando a origem, natureza e montante do crédito de que se arroga titular.

2.–Estando fixado no processo que, posteriormente à instauração da ação a requerida, logo que citada, procedeu ao pagamento do crédito da requerente, conforme veio invocar no articulado de oposição que apresentou, esse facto superveniente releva para aferir da legitimidade processual da requerente: se a requerente da insolvência perde, na pendência do processo de insolvência, a qualidade de credora que tinha à data da propositura da ação, qualidade que se arrogava titular e que a legitimava a intervir, ocorre uma situação de ilegitimidade superveniente para continuar a intervir no processo, justificando-se declarar a mesma com a consequente absolvição da requerida da instância e não do pedido (arts. 576.º n.ºs 1 e 2 e 577.º alínea e) do CPC).

3.–Nesse contexto, não é viável a continuação da tramitação do processo para se averiguar se a requerida se encontra, ou não, em situação de insolvência, ponderando os critérios identificados pelo legislador no art. 3.º do CIRE.”




 

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