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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Guimarães, proferido no âmbito do processo 976/24.2T8GMR-A.G1, datado de 26-09-2024

Analisa, além do mais, as exceções ao regresso de menor na sequência da deslocação ilícita.

 

Conforme exposto, ainda que de forma secundária, no texto publicado acessível através do link https://www.tofadvogados.com/post/o-rapto-internacional-de-menores-e-a-oposição-à-saída-de-menores-de-território-nacional-breves-notas , e explicado no acórdão em apreço, “A Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25/10/1980, ratificada por Portugal através do Decreto do Governo n.º 33/83, de 11/05 e o Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (Bruxelas II Ter), visam proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita, estabelecendo as formas que garantam o regresso mais rápido possível da criança ao Estado da sua residência habitual”.

 

No caso em apreço, foi pelo Ministério Público requerido, a pedido do progenitor, a instauração, com carácter de urgência, de processo tutelar comum para entrega judicial da menor, ao abrigo da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25-10-1980, contra a mãe da mesma menor, em virtude de, não obstante ambos os progenitores exercerem conjuntamente a autoridade parental, alegadamente, a progenitora se ter deslocado para Portugal contra a vontade do progenitor.

 

Pela progenitora foi deduzida expressa oposição ao regresso voluntário da menor, requerendo que fosse proferida decisão de recusa de entrega da menor ao abrigo do art. 12º da Convenção de Haia, em virtude de ter decorrido mais de um ano entre a vinda da menor para Portugal e a data da interposição do respetivo processo, estando a mesma inserida e ambientada no meio familiar e escolar, bem como ao abrigo do disposto no art. 13º, al. b), da referida Convenção, por força do risco grave que a decisão de regresso acarretará para a menor.

 

Tendo sido proferida sentença a julgar ilícita a retenção em Portugal da menor, foi pela progenitora interposto recurso.

 

Conforme explicado no referido aresto, “Tanto a Convenção de Haia como o Regulamento (UE) n.º 2019/1111, têm em conta os interesses da criança, visando proteger a mesma no plano internacional dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita, estabelecendo as formas que garantam o regresso mais rápido possível da criança ao Estado da sua residência habitual.

A questão que importa dirimir nos autos é a de saber se, apesar da menor ter sido ilicitamente deslocada, há motivos para recusar o regresso da criança ao país de origem.”

 

Dando por assente que a deslocação da menor foi ilícita, a análise foca em dois aspetos essenciais para a decisão: por um lado, o prazo a considerar para efeito de (re)ação, e, por outro lado, a “válvula de segurança” consagrada no artigo 13º alínea b) e, bem assim, a prevista no artigo 12º.

 

Em relação à primeira, prevê o artigo 12º da Convenção de Haia que “Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida e tiver decorrido um período de menos de um ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança”.

 

No entanto, prevê também este artigo 12.º que “A autoridade judicial ou administrativa respetiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente”.

 

No caso em apreço, entendeu o referido aresto que a menor já se encontrava integrada no seu novo ambiente.

 

No mais, e como esclarece o referido aresto, “considerando porém, que está envolvida na situação ilicitamente criada, uma criança e que pode haver risco grave para esta, de ficar sujeita a perigo quer de ordem psíquica quer de ordem física, no seu regresso, podendo ainda este constituir uma situação intolerável para a mesma, criou a Convenção a válvula de segurança consagrada no artigo 13º alínea b) e bem assim a prevista no artigo 12º facultando ao progenitor requerido a prova de factos que substanciem esta situação excecional.”

 

Ou seja, “a Convenção de Haia prevê, também, no seu artigo 13.º exceções que devem ser ponderadas, no sentido de não ser ordenado o regresso da criança, delas se destacando a contida na sua alínea b): “Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar: b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.”

 

Assumindo a existência de um risco grave no caso, caberia ao progenitor enquadrar a situação no  artigo 27.º, n.º 3 do Regulamento 2019/1111, de acordo com o qual ““Se um tribunal ponderar recusar o regresso de uma criança apenas com base no artigo 13.º, primeiro parágrafo, alínea b) da Convenção de Haia de 1980, não pode recusar o regresso da criança se a parte que pretende o regresso da criança der garantias ao tribunal, apresentando meios de prova suficientes, ou se o tribunal tiver de outro qualquer modo essa convicção, de que foram tomadas providências adequadas para garantir a proteção da criança após o seu regresso””, o que não logrou fazer.

 

Consequentemente, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães pela procedência do recurso e, nessa sequência, pela revogação da sentença recorrida na parte em que determinou o regresso imediato da menor para junto do progenitor, recusando ordenar tal regresso ao abrigo do disposto no artigo 13.º alínea b) da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, devendo ser cancelados todos os procedimentos de operacionalização do regresso que haviam sido determinados, designadamente, junto da Autoridade Central Portuguesa (Direção Geral da Administração da Justiça), da Segurança Social e do Sistema de Informação Schengen.

 

Sumário:

1 – A Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25/10/1980, ratificada por Portugal através do Decreto do Governo n.º 33/83, de 11/05 e o Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (Bruxelas II Ter), visam proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita, estabelecendo as formas que garantam o regresso mais rápido possível da criança ao Estado da sua residência habitual.

2 – Estando assente a ilicitude da retenção, os tribunais têm de determinar o regresso imediato da criança, salvo se ocorrerem as circunstâncias ponderosas que a Convenção de Haia e o referido Regulamento consideram aptas a fundamentar uma decisão de recusa.

3 – Tais circunstâncias podem passar pela prova de que existe risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável, devendo avaliar-se, também, se a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente.

4 – Salvaguardando a própria Convenção que este retorno não é automático ou mecânico, o superior interesse da criança deve ser ponderado de forma substanciada e à luz das exceções previstas nos artigos 12º e 13º, as quais implicam o exame da situação familiar no seu conjunto, e de elementos de ordem factual, afetiva, psicológica, material e médica com a preocupação de determinar qual é a melhor solução para a criança no contexto de um pedido de regresso ao país de origem.”




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