Analisa a aplicação das regras do ónus da prova quanto à (in)existência de passivo em caso de procedimento oficioso de dissolução e encerramento da liquidação de sociedade comercial para efeitos de responsabilidade dos sócios pelas dívidas da mesma.
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Nos termos do n.º 1 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante designado C.S.C.), “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.
Já nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 162.º do C.S.C., “As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2 e 5”, para o que a instância não se suspende, nem tão-pouco é necessária habilitação para o efeito.
Ora,
No caso concreto está essencialmente em causa saber se o Recorrente recebeu algum bem em partilha na sequência da dissolução da sociedade, bem como o ónus de prova sobre tal facto.
Em relação à dissolução e liquidação da sociedade, estas ocorreram ao abrigo do disposto no Regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, que se encontra publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março.
Com referência a este regime, prevê a al. a) do n.º 1 do art. 5.º que, com referência ao início oficioso do procedimento, “O procedimento administrativo de dissolução é instaurado oficiosamente pelo conservador, mediante auto que especifique as circunstâncias que determinaram a instauração do procedimento e que identifique a entidade e a causa de dissolução, quando resulte da lei e ainda quando (…) [, d]urante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao registo da prestação de contas”.
Já o n.º 4 do art. 11.º do referido regime, referente à decisão, prevê que “Se do requerimento apresentado, do auto elaborado pelo conservador ou dos demais elementos constantes do processo não for apurada a existência de qualquer activo ou passivo a liquidar, o conservador declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação da entidade comercial”.
No caos em apreço, ocorreu a dissolução administrativa, não tendo o Recorrente se pronunciado quanto à (in)existência de ativo e passivo.
Como frisa o referido aresto,
“Os sócios são responsáveis pelo passivo não satisfeito ou acautelado nos termos do art.º 163º CSC. O regime acautela o risco de utilização da liquidação para fugir às dividas, ou outro comportamento com o mesmo potencial, como o caso de incumprimento que leve a liquidação oficiosa.
A responsabilidade que aos sócios pode vir a ser assacada nos termos daqueles normativos justifica o regime legal excecional de substituição, que prescinde da habilitação.
Assim, ao que importa, a responsabilidade do oponente, decorre e verifica-se nos termos e limites prescritos no artigo art.º 163º CSCom.
A aplicação do regime tem levantado a questão do ónus de prova, em face da frequente falta de demonstração de que o sócio recebeu ou não bens ou valores da sociedade liquidada (partilha de facto).
É o credor da sociedade que tem que demonstrar que o sócio recebeu bens em “partilha”, ou é o sócio que tem que demonstrar que nada recebeu?
Ambas as teses têm sido defendidas (…)”
Na sequência da análise dos factos à luz dos entendimentos preconizados pela doutrina e pela jurisprudência pelo Tribunal ad quem, concluiu o mesmo que
“Neste caso, depreendem-se as dificuldades que a sociedade atravessou, referenciadas em depoimento, sendo que a mesma deixou de prestar contas, impedindo assim os credores de aceder a esses importantes elementos documentais. O sócio, notificado no âmbito do procedimento administrativo nada respondeu, não informado da existência de ativo e de passivo, sendo que demonstradamente havia passivo e ativo, pelo menos dois veículos.
Resulta assim que a sociedade, por ato imputável ao sócio acionado, gerente da sociedade, não tem a sua contabilidade devidamente organizada, não prestou contas durante pelo menos dois anos, o que veio a determinar o procedimento oficioso de dissolução.
Resultaram assim desprotegidos os credores, tornando impossível ou extremamente difícil a prova relativa à existência de bens e partilha, sendo que o oponente, tem ao seu dispor os vários livros e documentos da sociedade.
Incumpridas foram outras normas, como as decorrentes do artigo 18º do CIRE – dever de apresentação à insolvência.
Assim, nos termos do artigo 344º, 2 do CC sempre a prova se lhe imporia por inversão do ónus de prova.”
(negrito nosso).
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Sumário:
“- Nos termos do artigo 162 do CSC, as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários. Não havendo fase de liquidação a ação prosseguirá contra os sócios.
- Extinta a sociedade os sócios respondem pelo passivo social, até ao montante que receberam na partilha.
- A relação jurídica ajuizada pelo credor é a que estabeleceu com a sociedade, competindo-lhe o ónus de prova relativamente aos respetivos factos constitutivos.
- Ao sócio, contra o qual prossegue a ação, como sucessor da sociedade, embora de âmbito limitado, compete demonstrar que nada receberam em partilha, ou que o valor recebido é inferior ao crédito e em que montante.
- Em situações como a dos autos, em que ocorreu encerramento e liquidação da sociedade, oficiosamente, na Conservatória do Registo Comercial, em virtude de não ter ocorrido registo de prestação de contas durante dois anos consecutivos, e em que o sócio, notificado no âmbito do procedimento administrativo nada respondeu, não informado da existência de ativo e de passivo, sendo que havia passivo e ativo; sempre o ónus de prova se imporia ao sócio, nos termos do artigo 344º, 2 do CC. “
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