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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Coimbra, proferido no âmbito do processo 84/12.9TBVZL-U.C1, datado de 13-09-2022

Analisa a admissibilidade de gravação vídeo sem consentimento enquanto meio probatório no âmbito de processo judicial de foro civil (incumprimento das responsabilidades parentais)


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O direito à imagem e a sua tutela já se encontram sumariamente expostas no texto acessível através do link https://www.tofadvogados.com/post/o-direito-à-imagem-podes-olhar-mas-não-podes-usar , pelo que aqui damos por reproduzido o seu teor.


No caso em apreço, foi deduzido incidente de incumprimento de responsabilidades parentais, no âmbito do qual apresentou como meio probatório uma gravação de vídeo na qual constavam imagens da parte contrária e do filho menor, capturadas sem autorização destes.


A parte contrária (visada na gravação) e o Ministério Público opuseram-se à sua admissibilidade, em virtude de inexistir consentimento dos visados.


Foi a final pelo Tribunal de 1.ª instância decidido não admitir a junção aos autos, considerando a prova ilícita e inadmissível, em virtude de

a) Inexistia qualquer comportamento que permitisse concluir pelo consentimento dos visados na captura da imagem;

b) Pelo que se tratava de um ato lesivo, passível de reação penal (art. 199.º C.P.);

c) Nesses termos, o meio de prova apenas poder ser admitido caso fosse absolutamente indispensável para a descoberta da verdade;

d) O que não sucedia, pois que havia outros meios de prova que permitissem dar como provados os factos capturados através da gravação vídeo, mormente testemunhal.


Ora,


Entendeu o Tribunal da Relação em suma que, ao contrário do que sucede no processo penal, o código de processo civil não estabelece nenhuma norma de carácter geral que se refira expressamente à (i)licitude dos meios probatórios, quer para determinar a inadmissibilidade probatória, quer para determinar os limites dessa inadmissibilidade.


No caso concreto, entendeu também o Tribunal da Relação que a situação em apreço, e considerando o facto de que a realidade capturados em gravação vídeo se tratar de um facto ocorrido em espaço público - não se enquadrando na esfera privada protegida pelo direito fundamental à reserva da vida privada - não se enquadrava na proibição geral prevista no n.º 8 do art. 32.º da C.R.P., o qual prevê a nulidade de provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.


Assim, o Tribunal da Relação enquadrou a situação em apreço no direito das partes a um processo equitativo (cfr. n.º 4 art. 20.º da C.R.P.), devendo ser aqui de considerar que, o direito à imagem se encontra consagrado em termos genéricos no n.º 1 do art. 26.º da C.R.P., bem como no art. 79.º do C.C..


Nesta senda, revela-se de especial importância o n.º 2 do art. 79.º do C.C., segundo o qual “Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente”.


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Entende assim o Tribunal da Relação que,


a)

quanto ao enquadramento em lugares públicos, “O que ali se pretende dizer é que a reprodução da imagem é lícita independentemente de consentimento do “retratado”, quando a reprodução não visa directamente e não tem como propósito reproduzir o “retratado”, mas sim um lugar público ou um facto de interesse público ou que haja decorrido publicamente”


Pelo que “a recolha ou reprodução da imagem de alguém, ainda que sem o seu consentimento será lícita quando, com o propósito de retratar e reproduzir a imagem de um lugar ou evento públicos se retrata e reproduz a imagem de alguém que aí se encontrava”.


A contrário, “tal recolha e reprodução já não será lícita quando, apesar de o “retratado” se encontrar em local ou evento público, a imagem recolhida e a sua reprodução não tenha tido qualquer relação com esse local ou evento (públicos) ou com qualquer outra facto de interesse público, visando directamente o “retratado”.


Prevalece assim a finalidade visada acima do conteúdo, o que, na nossa opinião, poderá ser de forma relativamente fácil contornado.


b)

Já quanto ao consentimento, acolhe o Tribunal da Relação o entendimento perfilhado pelo mesmo Tribunal no âmbito do processo n.º 2/16.5 PAMGR.C1 (de 20/09/2017), sendo que ““…não se exige que a oposição de vontade seja expressa, pois para a conduta ser típica bastará que contrarie a vontade presumida do portador concreto do direito à imagem.”

c)

Quanto à admissibilidade da gravação vídeo como meio probatório, utilizando um “juízo de ponderação sobre os interesses em causa e sobre a eventual prevalência de um deles em relação ao outro”, será necessário que exista uma “justa causa” para a sua obtenção – v.g. documentarem a prática de um crime.


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No caso concreto, tratando-se o menor de um indivíduo com 17 anos de idade – que determina a pouca relevância da gravação para as finalidades pretendidas com o incumprimento em apreço - , e existindo outros meios probatórios passíveis de dar como provado os factos retratados na gravação, não estamos perante um “estado de necessidade probatório”


Concluiu assim o Tribunal da Relação de Coimbra que “Assim e sendo certo que também não se verifica nenhuma das demais circunstâncias referidas no n.º 2 do referido art.º 79.º, impõe-se concluir que estamos perante uma prova ilícita que, como tal, não poderá ser admitida. O modo pelo qual foi obtida a prova em questão corresponde, ao que tudo indica, a um ilícito criminal, mas ainda que assim não seja, a sua admissão nos autos como meio probatório implicará a exposição e reprodução da imagem do Requerido (e do menor) o que, sem o seu consentimento, é ilícito à luz do disposto no art.º 79.º do CC. E se isso é ilícito, impõe-se concluir que a prova é ilícita, não podendo ser admitida.”

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Sumário:


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No âmbito de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, onde se discute o incumprimento, pelo requerido/pai, do regime de visitas, alegando a requerente/mãe que este impediu as visitas estabelecidas em relação ao filho, agora prestes a atingir a maioridade, a junção aos autos, com finalidade probatória, pela requerente de um “CD” – contendo imagens, em gravação vídeo, que recolheu quando o requerido e o menor saiam da escola por este frequentada – constitui prova ilícita, que não deve ser admitida, por faltar o consentimento dos visados, estando em causa o seu direito à imagem, não se mostrando que não seja possível produzir outros meios de prova a respeito, designadamente a audição do filho, o que afasta a conclusão no sentido da ocorrência de um “estado de necessidade probatório.





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