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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Coimbra, proferido no âmbito do processo 466/14.1T8CTB-C.C1, datado de 20-02-2024

Analisa a verificação dos requisitos para efeitos de cessação da obrigação alimentar de filho maior, prevista na al. c) do n.º 1 do art. 2013.º do Código Civil.

 

 *

 

“As relações familiares abrangem um conjunto amplo de direitos e deveres mútuos, que vão para além do dinheiro e do amor.

Em termos abstratos, prevê desde logo o n.º 1 do art. 1874.º do C.C. que “Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.” Já no que diz respeito aos deveres dos pais para com os filhos, objeto de análise no presente artigo, dispõe o art. 1877.º do C.C. que “os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação”, e o n.º 1 do art. 1878.º do C.C. que, com referência ao conteúdo das responsabilidades parentais, “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover o seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”, tratando-se de deveres irrenunciáveis (cfr. art. 1882.º do C.C.).

(…)

em caso de divórcio ou separação dos pais – e ignorando neste artigo o regime de “guarda partilhada”, por transcender o objeto de análise – os alimentos devidos aos filhos e a forma de os prestar terá de ser regulada por acordo entre os pais e sujeito a homologação, sempre mediante pronúncia prévia por parte do Ministério Público, por forma a averiguar que o respetivo acordo acautela o superior interesse do menor

(…)”

 

e

 

“Em caso de divórcio (ou separação judicial de pessoas e bens e declaração de nulidade ou anulação do casamento), determina o n.º 2 do art. 1905.º do. C.C. que “Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.

Conclui-se assim, termos sucintos, que a obrigação de pagar pensão de alimentos a filho maior existe até que este conclua a sua formação profissional (ou a interrompa), ou em caso de irrazoabilidade de exigência, e no máximo até perfazer 25 anos.

 

Ora,

 

Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 2013.º do C.C.

“1. A obrigação de prestar alimentos cessa:

a) Pela morte do obrigado ou do alimentado;

b) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles;

c) Quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.”

 

Esta redação acaba por ser mais genérica que aquela prevista para a deserdação, prevista no art. 2166.º do C.C. [de acordo com o qual “O autor da sucessão pode em testamento, com expressa declaração da causa, deserdar o herdeiro legitimário, privando-o da legítima, quando se verifique alguma das seguintes ocorrências: a) Ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão; b) Ter sido o sucessível condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas; c) Ter o sucessível, sem justa causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos.”

 

Desta forma, com o Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro, foi alterada a referida al. c), que antes remetia para o regime geral da deserdação [“Quando se verifique algum dos factos que legitimam a deserdação”], passando a prever, em termos genéricos e abstratos, a “violação grave dos deveres do obrigado”.

 

 

*

 

No caso concreto, o progenitor do menor veio requerer a cessação da obrigação de efetuar o pagamento da prestação de alimentos, alegando para o efeito que o filho “lhe falta continuamente ao respeito, estuda sem aproveitamento, e que dispõe de meios de subsistência, pois se encontra a trabalhar”.

 

E, de entre os factos provados que foram considerados para a decisão a proferir, relevam-se os seguintes:

“1.Por acordo celebrado na conferência de pais realizada no dia 14 de janeiro de 2015, homologado por sentença transitada em julgado, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas ao requerente BB, então menor nos termos dele constantes.

2.O filho não passou um único dia com o pai, seja dia da semana, seja fim de semana, seja em férias.

3.Recusando-se a fazê-lo, não obstante as tentativas do pai.

4.Situação que se arrastou e se mantém inalterada.

5.O filho recusa-se a falar com o pai, recusando-se mesmo a cumprimentá-lo, mesmo quando ocasionalmente passa por si, nem respondendo aos cumprimentos do pai.

6.Não responde aos telefonemas que o pai efectua, nem às mensagens.

7.O pai envia SMS em alguns dias festivos, e o seu filho não responde.

8.Tal comportamento causa grande sofrimento e mágoa ao requerido.

9.O filho reprovou a algumas disciplinas do curso que frequenta na Escola Superior ....

10.O requerido encontra-se a trabalhar e auferindo a correspondente retribuição.

(…)

17.Não há contactos pessoais entre ambos de janeiro de 2015 em diante, e também não existe outro género ou nível de relação entre eles.

(…)

23.Desde dezembro (inclusive) que o A. não paga a pensão de alimentos, nem comparticipa nas propinas.

24.O R. aufere como salário líquido 356,00€

25.Para além das despesas normais com alimentação, vestuário, saúde, propinas, combustível, tem outras próprias da idade.

26.E é com o que ganha no “part-time” que o R. faz frente a esse tipo de despesas.

(…)”

 

 

*

 

Tendo em consideração a matéria dada como provada e o direito aplicável, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra que

“Sendo certo que o Requerido não fala com o seu pai, mas sem que se assegure a causa do silêncio e a sua motivação, no limitado contexto adquirido, a consideração daquela falta de resposta às solicitações verbais do pai não tem um sentido negativo grave, que possa ser apenas imputado ao credor, como a lei exige no art. 2013, nº 1, al. c), do Código Civil, para que agora cesse, 8 anos depois, por esse motivo, a obrigação alimentar.

(…)

Provou-se que o Recorrido, com 22 anos de idade, além de estudar, trabalha em part-time, quatro horas diárias, e aufere 356 € mensais, ou seja, aquele, com a pensão, dispõe de 531€ mensais.

(…)

Encontra-se o Recorrido a frequentar o 2º ano do curso de Agronomia (numa licenciatura de 3 anos).”

 

De maneira a que concluiu o Tribunal ad quem pela improcedência do recurso (mantendo a improcedência da ação).

 

 

*

 

Sumário:

O art. 2013, nº 1, al. c), do Código Civil, relativo à cessação da obrigação alimentar, exige que o credor dos alimentos viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.

No caso, não preenche essa gravidade a circunstância do filho, decorridos 8 anos de falta de relacionamento, recusar falar com o pai. “




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