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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Coimbra, proferido no âmbito do processo 444/21.4T8CLD-A.C1, datado de 09-01-2024

Analisa, além do mais, a possibilidade de obter documentos por intermédio do Tribunal, no âmbito de processo de inventário, com vista a obter informação relativamente ao destino dado a dinheiro fruto da venda de bens próprios, em momento prévio à dissolução do casamento.

 

 *

 

No caso concreto, foi requerido inventário para partilha dos bens do casal na sequência de divórcio, ocorrido no ano de 2020.

 

No âmbito do referido processo de inventário, foi relacionado pelo Cabeça de Casal duas verbas no passivo referentes a alegados montantes em dívida, bem como foi relacionado um bem móvel adquirido, em parte, com bens próprios.

 

Na sequência dos respetivos trâmites processuais, foi então requerida um conjunto de informações que permitissem compreender o rumo de valores depositados em contas tituladas pelo ex-casal, fruto da vende de bens próprios do mesmo, no montante global de €140.500,00.

 

Tal requerimento foi objeto de indeferimento, invocando o Tribunal para o efeito que

“o que se pretende compreender, para além das questões relacionadas com os valores atribuídos às verbas constantes na relação de bens, que poderá sempre ser apurado através da avaliação, é sobretudo compreender e apurar o passivo do casal uma vez que não se encontra contravertido que as obras tenham sido realizadas, não sendo necessário apurar quaisquer questões relacionadas com as poupanças, nem o banco irá identificar os destinatários dos valores que eventualmente terão sido transferidos daquelas contas.

Compreende-se que o CC pretenda demonstrar que os valores utilizados para a construção das benfeitorias no imóvel propriedade da interessada foram realizadas com recurso a bens próprios seus, mas entende o tribunal que a informação requerida não será suficiente para tal conclusão apenas levando a um aglomerar de informações bancárias que só irá protelar e tornar mais morosa a análise dos autos.”

 

 

Inconformado, foi interposto recurso de tal despacho,

 

Ora,


Nos termos do disposto no art. 1688.º do C.C., “As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução (…) do casamento (…)”.

 

Por sua vez, dispõe o n.º 1 do art. 1789.º do C.C. que “Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges”.

 

Sendo que, de acordo com os n.ºs 1 e 3 do art. 1689.º do C.C., “Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património”, e “Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor”.

 

Já conforme explicado no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, dos referidos preceitos legais, “decorre, para efeitos de partilha por divórcio, que o património comum dos ex-cônjuges corresponde àquele que existia na data em que foi proposta a ação de divórcio.

Por exemplo, apenas relevará, para efeitos de partilha, o saldo das contas bancárias nesse início do ano de 2020, significando tal que, quer os movimentos anteriores, quer os movimentos posteriores a essa data não assumem relevância para efeitos da partilha a realizar.”

 

Mais esclarece que

 

“Atente-se que se um dos ex-cônjuges tiver levantado dinheiro de uma conta bancária comum antes da data de propositura da ação de divórcio, tal montante não poderá ser levado à partilha do acervo comum, pois o levantamento de um montante nestes moldes integra um ato de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal conforme resulta do nº 3 do art. 1678º do mesmo Código Civil.”

 

Sendo certo que, conforme preceitua o n.º 1 do art. 1681.º do C.C., “O cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 1678.º, não é obrigado a prestar contas da sua administração”.

 

Não obstante, poderá o cônjuge lesado pelos “atos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge” propor a respetiva “ação de indemnização por perdas e danos, nos termos nos termos do disposto no n.º 1 do art. 1681.º do C.C., in fine.

 

*

 

Consequentemente, em relação ao pedido referente à obtenção da identificação dos destinatários dos valores fruto da venda de bens próprios foi julgado o respetivo recurso improcedente, sendo, no entanto, procedente na parte que permita descortinar eventual existência à data de parte desses montantes.

 

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Sumário:

I – Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal (cf. art. 1689º, nº 1 do Código Civil).

II – Cada cônjuge receberá na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a esse património (art. 1689º, nº 1 do C.Civil).

III – A composição do património comum é, portanto, aquela que existia na data da proposição da ação e não em momento anterior, designadamente à data da separação de facto e só os bens existentes nesse momento - mas todos esses bens - devem ser objeto de partilha.

IV – Na constância do casamento, a Lei não prevê que o cônjuge que exerça a administração de facto preste contas da mesma ao outro cônjuge, conforme decorre do nº 1 do art. 1681.º do C.Civil, salvo nos casos especificamente previstos nos nos 2 e 3 do mesmo artigo, sem prejuízo de poder responder pelos atos praticados em prejuízo daquele, no âmbito de “ação de indemnização por perdas e danos” a instaurar, sendo disso caso [cf. parte final do nº 1 do mesmo citado artigo]. “




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