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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Coimbra, proferido no âmbito do processo 364/22.5PBTMR-B.C1, datado de 08-11-2023

Analisa a legitimidade dos psicólogos em exercer o direito de escusa e os requisitos para que o incidente seja apreciado pelo Tribunal Superior, considerando o princípio da prevalência do interesse preponderante.

 

*

 

Prevê o n.º 1 do art. 135.º do C.P.P. que “Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.”

 

Excetuando o segredo religioso, sempre que a quebra do segredo profissional se mostre justificada considerando o princípio da prevalência do interesse preponderante – considerando a “imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos”, a intervenção para decidir sobre a recusa recairá sobre o tribunal superior, mediante intervenção suscitada pelo Juiz, quer oficiosamente, quer a requerimento de algum interessado. – cfr. n.º 2 do art. 135.º do C.P.P..

 

Ora,

 

No caso em apreço, no âmbito de um processo de violência doméstica, foi arrolada como testemunha psicóloga que fez acompanhamento a menores.

 

Em face do pretenso objeto do seu depoimento a testemunha invocou o sigilo profissional (médico) por escrito, o qual foi julgado justificado pelo Tribunal.

 

Mantendo interesse na inquirição da testemunha psicóloga, foi suscitado o incidente de prestação de testemunho com quebra de segredo profissional, remetido ao Tribunal da Relação.

 

 

Isto posto,

 

Analisando o assunto em apreço, desde logo foi integrado o sigilo profissional invocado pela testemunha, não no médico, mas na parte final do n.º 1 do art. 135.º do C.P.P. – i.e., “demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo” – considerando o Regulamento n.º 637/2021, que aprovou o “Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses”, e no qual se encontra prevista uma secção intitulada “Privacidade e confidencialidade” [ponto 2], na qual consta que, em termos gerais, “Os/as psicólogos/as têm a obrigação de assegurar a manutenção da privacidade e confidencialidade de toda a informação a respeito do seu cliente, obtida direta ou indiretamente, incluindo a existência da própria relação, e de conhecer as situações específicas em que a confidencialidade apresenta algumas limitações éticas ou legais.”

 

Ainda no âmbito do referido ponto 2., consta o ponto 2.1.4., referente a situações legais, de acordo com o qual  “Sempre que haja solicitação legal para a divulgação de informação confidencial sobre o cliente (registos, relatórios, outros documentos e ou pareceres), é fornecida a um destinatário específico, apenas a informação relevante para a situação em causa, tendo em conta os objetivos da mesma, podendo haver recusa de partilha de informação considerada não essencial. O cliente é previamente informado desta situação, bem como dos conteúdos da informação a revelar, exceto em situações em que tal for manifestamente impossível. E Caso os/as psicólogos/as considerem que a divulgação de informação confidencial pode ser prejudicial para o seu cliente, podem invocar o direito de escusa (de acordo com o disposto no artigo 135.º do Código de Processo Penal).”

 

De maneira a que, preliminarmente, decidiu desde logo o Tribunal ser inequívoco que, em certas e determinadas situações, os psicólogos podem invocar o direito de escusa previsto no art. 135.º do C.P.P..

 

No mais,

 

Entendeu o Tribunal da Relação que “a apreciação pelo tribunal superior do critério da prevalência do interesse preponderante pressupõe a indicação concreta da factualidade controvertida que se pretende demonstrar com recurso ao depoimento em causa, cujo conhecimento pela testemunha se encontra abrangido pelo sigilo profissional invocado, bem como a relevância de tal depoimento, designadamente decorrente da eventual inexistência de outros meios de prova de tal factualidade.”

 

De maneira a que, para apreciar a relevância do depoimento desta, encontra-se o Tribunal impedido de apreciar a efetiva relevância deste, por não ter sido indicada a concreta matéria de facto sobre a qual pretende que recaia o depoimento da testemunha.

 

Relevando ainda, neste âmbito, que nada impede que seja deduzido novo incidente, fundamentado.

 

Por fim,

 

Sendo certo que, como consabido, a recusa ou invocação do sigilo deve ser invocado em sede de inquirição e em face das concretas questões formuladas, e que a testemunha psicóloga pediu escusa sem saber de antemão sobre o que recairia o seu depoimento (reforçando, por ex., que a mera atestação de ter elaborado os relatórios e em que datas, e em que local, por ex., não contenderá com o sigilo profissional a que se encontra adstrito, e que, nessa senda, não deverá ser julgada legítima a eventual recusa em prestar declarações),

entendeu, e bem, o Tribunal da Relação de Coimbra que a testemunha deve comparecer em audiência de discussão e julgamento, de forma a ser inquirida, como é o dever de qualquer testemunha convocada para tanto, podendo o direito de escusa ser invocado, se for caso disso, face a perguntas concretas que demonstrem a imprescindibilidade do depoimento.

 

Consequentemente, foi indeferido o incidente de levantamento do sigilo profissional apresentado.


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Sumário:

I – Os psicólogos podem invocar o direito de escusa para efeitos do disposto no artigo 135.º do C.P.P.

II – É de admitir o levantamento do segredo profissional sempre que tal se mostre justificado, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do meio de prova em causa para a descoberta da verdade.

III – A apreciação, pelo tribunal superior, do critério da prevalência do interesse preponderante pressupõe a indicação concreta da factualidade controvertida que se pretende demonstrar com recurso ao depoimento em causa, cujo conhecimento pela testemunha se encontra abrangido pelo sigilo profissional invocado, bem como a relevância de tal depoimento, designadamente decorrente da eventual inexistência de outros meios de prova de tal factualidade.

IV – Não tendo sido indicada, no pedido de quebra de segredo profissional, a matéria concreta que se pretende provar com o depoimento em causa ou a eventual inexistência de outros meios probatórios, resulta não estarem verificados os requisitos de que depende o levantamento do sigilo profissional.

V – O indeferimento do incidente derivado da falta de requisitos não impede a dedução de novo incidente devidamente fundamentado.








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