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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Coimbra, proferido no âmbito do processo 190/20.6T9SEI.C1, datado de 26-10-2022

Analisa a (in)constitucionalidade do crime “morte e maus tratos a animais de companhia”.


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Relativamente ao crime sob epígrafe “Morte e maus tratos a animais de companhia”, prevê o art. 387.º do C.P. que


"1 - Quem, sem motivo legítimo, matar animal de companhia é punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o limite máximo da pena referida no número anterior é agravado em um terço.

3 - Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão de 6 meses a 1 ano ou com pena de multa de 60 a 120 dias.

4 - Se dos factos previstos no número anterior resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, ou se o crime for praticado em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

5 - É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se referem os n.os 2 e 4, entre outras, a circunstância de:

a) O crime ser de especial crueldade, designadamente por empregar tortura ou ato de crueldade que aumente o sofrimento do animal;

b) Utilizar armas, instrumentos, objetos ou quaisquer meios e métodos insidiosos ou particularmente perigosos;

c) Ser determinado pela avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou por qualquer motivo torpe ou fútil.”


Sem grandes desenvolvimentos, por para o presente texto não serem relevantes, para efeitos de determinação dos animais de companhia tutelados pelo referido artigo deverá considerar-se o disposto no art. 389.º do C.P. sob epígrafe “Conceito de animais de companhia”.


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Nos últimos tempos o Tribunal Constitucional tem sido chamado a pronunciar-se para apreciar a (in)constitucionalidade do art. 387.º, i.e., quanto à constitucionalidade do referido crime de morte e maus tratos a animais de companhia.


Concretamente,


Após decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, proferida no âmbito do processo 90/16.4GFSTB.E1.E1, datado de 18-06-2019, que entendeu ser constitucional o tipo legal de maus tratos, identificando para o efeito como bem jurídico como o “bem colectivo e complexo que tem na sua base o reconhecimento pelo homem de interesses morais directos aos animais individualmente considerados e, consequentemente, a afirmação do interesse de todos e cada uma das pessoas na preservação da integridade física, do bem-estar e da vida dos animais, tendo em conta uma inequívoca responsabilidade do agente do crime pela preservação desses interesses dos animais por força de uma certa relação actual (passada e/ou potencial) que com eles mantém”.”


Desta decisão houve recurso para o Tribunal Constitucional, o qual decidiu pela inconstitucionalidade do referido art. 387.º do C.P., por, conjugadamente, dos artigos 27.º e 18.º, n.º 2, da Constituição. – cfr. Acórdão n.º 867/2021do T.C. de 10 de novembro de 2021.


Para tanto, entendeu o referido aresto que não existe um bem jurídico tutelado claramente identificado, concretamente não se enquadrar em qualquer direito ou interesse constitucionalmente protegidos.


E isto, quer tendo por referência

a) ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana [“Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.” – cfr. art. 1.º da C.R.P.];

b) ao Direito ao livre desenvolvimento da personalidade [“A todos são reconhecidos os direitos (…) ao desenvolvimento da personalidade (…).”cfr. n.º 1 do art. 26.º da C.R.P.].; bem como

c) à tutela do Ambiente [“Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. / 2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: (…) – cfr. n.º 1 e 2 do art. 66.º da C.R.P.].


Em conformidade, entendeu o Tribunal Constitucional no âmbito do processo 472/2022, datado de 5 de maio de 2022 (Decisão Sumária n.º 344/2022).


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Acolhendo o entendimento preconizado pelo acima mencionado revogado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - e, desta forma, em clara oposição quanto aos entendimentos preconizados pelo Tribunal Constitucional - entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra pela constitucionalidade do crime em análise, identificando para o efeito o bem jurídico tutelado pela norma nos deveres que sobre o comum dos cidadãos recaem, e não directamente na vida, integridade física ou bem-estar dos animais de companhia.”


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Sumário:

I – O bem jurídico tutelado pelo artigo 387.º do CP não reside na vida, integridade física ou bem-estar dos animais de companhia. Recai sim num imperativo civilizacional, decorrente da percepção de que os direitos humanos se afirmam através da aceitação de deveres para com os demais titulares de direitos, ou seja, para com a sociedade em geral.

II – “Em causa está uma responsabilidade do humano, como indivíduo em relação com um concreto animal, e também como Homem, i.e., enquanto membro de uma espécie, cujas capacidades cognitivas e de adaptação estratégica o investem numa especial responsabilidade para com os seres vivos que podem (e são) afectados pelas suas decisões e acções.”

III – O tipo legal de crime de maus tratos a animais de companhia não padece de inconstitucionalidade material.




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