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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Coimbra, proferido no âmbito do processo 1247/21.1T8GRD.C1, datado de 28/03/2023

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Analisa as situações passíveis de acionar a cláusula de exclusão do contrato de seguro referentes ao abandono do local por parte do segurado.


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Conforme já exposto no texto publicado em https://www.tofadvogados.com/post/condução-sob-efeito-de-álcool-e-acidentes-de-viação

- este com relevância parcial para o presente artigo, “existem diversas situações em que as seguradoras poderão exercer o denominado “Direito de regresso”, exigindo ao condutor da viatura todos os montantes pagos a outrem (…)”


Seguindo a mesma lógica, existe igualmente um conjunto de situações passíveis de determinar a não cobertura de “danos próprios”.



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No caso em apreço, determinado indivíduo celebrou um contrato de seguro automóvel com cobertura de danos próprios e de terceiros.


Após ocorrer um acidente de viação em que apenas interveio o respetivo individuo (enquanto condutor), que ocorreu no dia 31/12/2020, pelas 21h27m, o mesmo abandonou o local e deslocou-se para casa.


Não obstante, conforme consta dos factos dados como provados no Tribunal de 1.ª Instância,

“17) Das condições gerais da Apólice de Seguro Automóvel […] consta a cláusula 40.ª, n.º 1, al. c), da qual resulta que «Para além das exclusões previstas na cláusula 5ª, o contrato também não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas acima previstas, as seguintes situações: (…)

c) Sinistros resultantes de demência do condutor do veículo ou quando este conduza em contravenção à legislação aplicável à condução sob o efeito de álcool, ou sob a influência de estupefacientes, outras drogas, produtos tóxicos ou fármacos cujo os efeitos, directos ou secundários, resultem na diminuição da capacidade de condução, ou ainda quando aquele se recuse a submeter-se aos testes de alcoolemia ou de detecção de estupefacientes, bem como quando, voluntariamente e por sua iniciativa, abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade»”,

certo é que o Tribunal de 1.ª instãncia julgou a ação parcialmente procedente, condenando a Companhia de Seguros a pagar ao Autor/condutor/segurado o montante referente ao valor da viatura [ao qual subtrai o valor do salvado e respetiva franquia).


E isto porque entendeu o Tribunal a quo que o abandono do local (injustificado) apenas será relevante se efetuado APÓS as autoridades policiais serem chamadas.


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Inconformados com tal decisão, recorreu a Companhia de Seguros, para o Tribunal da Relação de Coimbra.


Adotando jurisprudência do mesmo Tribunal da Relação, reiterou-se no douto Acórdão que, tendo por referência o entendimento adotado pelo Tribunal a quo,

“Tal como já diziam os antigos, por vezes, a letra da lei – aqui da clausula contratual – mata a justiça, mas o seu espírito e ratio, pode vivificá-la.

Ou seja, por vezes, só com apelo aqueles elementos não literais da interpretação jurídica, e sem obediência cega e acrítica à literalidade do quid interpretando, se pode almejar a consecução do fito último da actividade jurisdicional, qual seja, a prolação da decisão que reflicta e alcance não apenas a, por vezes a mais cómoda e fácil, justiça formal, mas antes atinja a verdade e, assim, realize a justiça material do caso concreto..

A assim ser tem de concluir-se que in casu, o cerne substantivo da aludida cláusula de exclusão prende-se com o facto de, para um acidente rodoviário, ser, ou não ser, necessário, ou até conveniente, chamar a autoridade policial.

Nos pequenos sinistros com consequências materiais nocivas minudentes – pequenos riscos ou amolgadelas – normalmente tal chamamento não se impõe, nem as autoridades policiais o aconselham, ficando a resolução dos mesmos entregue aos intervenientes, vg. com o preenchimento da chamada declaração amigável.

Nos acidentes com maiores e mais graves consequências, humanas e/ou materiais, tal chamamento impõe-se ou é aconselhável.

Nestes casos alguém terá de chamar a autoridade policial.”

Como tal, considerando que

“O sinistro ocorreu à noite, com tempo chuvoso. Na via ficou o veículo sinistrado, parcialmente destruído, sem poder circular.

Espalhados na via e na berma ficaram destroços de vidro, plástico e peças, alguns ainda patentes no local quinze dias depois do sinistro.

O sinistro caracterizou-se pelo despiste de uma viatura que entrou na valeta, saiu da via, bateu numa pedra, capotou e voltou, já sem viabilidade de arranjo, à via por onde seguia.

Os danos foram extensos e gravosos no veículo.

Tudo igualmente com grande aparato junto a uma aldeia de ....

A via ficou, pelo menos parcialmente, interrompida.

Logo, a intervenção policial para tomar conta do caso, impunha-se ou era patentemente aconselhável, a horas do fim do ano de 2020.

Destarte, alguém teria mais cedo ou mais tarde de chamar a autoridade policial.”


De maneira que entendeu o Tribunal ad quem

“O que ao Autor era esperado que de boa fé contratual fizesse era esperar pelo socorro (ambulância) e solicitar a comparência das autoridades policiais, e colaborar com elas, uma vez que estamos perante um acidente grave, que poderia até ter tido muito maiores consequências.

Não está justificado o seu abandono do local do sinistro.

Não está justificada a sua actuação ao nível da sua pretensão em juízo, pois que foi o Autor quem, voluntariamente, se retirou do local, impedindo a realização do TAS e outros exames, em ordem ao esclarecimento da verdade e do liso e leal cumprimento contratual, sob pena de incorrer até em abuso de direito, excepção peremptória de conhecimento oficioso. (artigo 334º do CC)”


Pelo que revogou a decisão, julgando verificada provada a exceção da cobertura do risco, absolvendo a Companhia de Seguros da obrigação de qualquer pagamento ao Autor/segurado/condutor.


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Sumário:

I - Basta, para a aplicação da cláusula de contrato de seguro que exclua a responsabilidade da seguradora quando o segurado «abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade”, que o abandono se verifique com consciência por banda deste da necessidade de tal chamamento, pelo que é irrelevante que aconteça antes ou depois do mesmo.

II- Há necessidade de chamar as autoridades policiais quando um condutor tripulando um veículo automóvel, de marca topo de gama, cerca das 21 horas, a 31 de Dezembro de 2020, com tempo chuvoso, numa aldeia de Almeida, antes de uma curva da estrada, perde o controlo do veículo, entra na valeta, sai da estrada, embate num obstáculo, capota e volta a cair na via pública, impossibilitado de circular, com danos graves que impedem a sua reparação.

III- Há necessidade de chamar as autoridades policiais quando esse veículo estava equipado com um sistema de segurança e protecção que com o embate disparou, estabeleceu contacto entre a marca e o condutor, e o próprio sistema chamou por socorro – o 112 -, que apareceu (ambulância).

IV- Há necessidade de chamar as autoridades policiais quando os elementos do 112 chegam ao local e são informados no local que o condutor se retirou dali e se refugiou em casa.




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