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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R.Coimbra, proferido no âmbito do processo 623/22.7T8FIG-A.C1, datado de 08-10-2024

Analisa, além do mais, o poder/dever que recai sobre o Tribunal quanto à obtenção de meios de prova, de acordo com o princípio do inquisitório, bem como pela via para obter informações de bens sitos na União Europeia.


*

 

No âmbito de processo de inventário para partilha de bens do de cujus, com última residência em França, foi apresentada relação de bens pela cônjuge sobreviva, residente em França, tendo apresentada tão-só uma verba, correspondente a uma metade indivisa de um prédio sito em Portugal.

 

Pela filha e requerente do inventário foi apresentada reclamação à relação de bens, alegando, além do mais, que a Cabeça de Casal havia omitido a existência de contas bancárias e de um prédio urbano sito em França, sendo que se desconhecia as respetivas identificações e dados respetivos.

 

Nesse articulado, requereu a reclamante que

“deverá a cabeça de casal relacionar os bens aqui mencionados, em aditamento à relação de bens, por não conseguir a interessada efectuar tal identificação e pesquisas, por não ter a cabeça de casal outorgado escritura de habilitação de herdeiros, não está a mesma legalmente habilitada para o efeito, sem prescindir que essa informação seja obtida oficiosamente pelo Tribunal, caso a cabeça de casal não relacione os bens indicados”.

 

Não tendo em sede de resposta à reclamação à relação de bens a cabeça de casal junto qualquer informação, pela requerente foi requerido que,

“nos termos do art.º. 7.º nº 4 do Código de Processo Civil:

sejam notificados o Banco de Portugal e o seu homólogo em França para prestarem informações quanto às contas bancárias tituladas pelo inventariado, sua identificação e quantias.

seja notificada a entidade pública francesa responsável pelo registo predial e obter informação quanto ao prédio urbano, sito em ... - FRANÇA,”

 

Realizada audiência prévia, decidiu o Tribunal a quo julgar a reclamação à relação de bens improcedente, em virtude de a “Requerente/reclamante não [ter] apresentado qualquer prova, nem [apresentado requerimento] probatório na reclamação à relação de bens, sendo que a cabeça-de-casal se havia oposto à reclamação à relação de bens”.

 

Inconformada, a requerente/reclamante interpôs recurso de tal despacho.

 

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Entendeu o Tribunal da Relação que, primeiramente, ao ter requerido que, caso não fossem os elementos solicitados e em falta apresentados pela Cabeça de Casal, a «(…) informação [fosse] obtida oficiosamente pelo Tribunal», se estava a apelar e estava aqui em causa (em sede de instrução) o princípio do inquisitório, nomeadamente, na requisição de documentos, nos termos do disposto no art. 436.º do C.P.C., tendo assim cumprido “com oportunidade e tempestividade o ónus imposto pelo art. 1105º, nº2”, do C.P.C., ou seja, indicar os meios de prova com o seu requerimento de reclamação à relação de bens.

 

No entanto, quando ao mérito do requerimento probatório, esclarece o referido aresto que, “apenas quanto a bens sitos em Portugal e relativamente a informações a obter/prestar por entidades nacionais se poderá dar acolhimento ao requerido em termos probatórios pela Requerente e ora recorrente, isto é, apenas no que ao pedido de notificação do Banco de Portugal concerne”, pois que dúvidas inexistem quanto à legitimidade da requerente na obtenção de tal informação.

 

Já em relação às contas bancárias francesas, bem como quanto ao pedido de notificação da entidade pública francesa responsável pelo registo predial e obter informação quanto ao prédio urbano, sito em França, “não pode um tribunal português solicitar diretamente a entidades sediadas noutros Estados, informações e/ou provas sobre contas bancárias e bem imóvel também sedeadas (aquelas) e localizado (este) fora de Portugal, por estarem essas entidades apenas sujeitos às normas desse Estado (estrangeiro) Francês, regendo-se essa entidades por um ordenamento jurídico específico e diverso do português”.

 

De maneira a que, quanto a estes elementos, entende o Tribunal da Relação que sempre deveriam ser indeferidos.

 

Não obstante,

 

E como bem evidencia o referido aresto, “decorre muito claramente do art. 1109º, nº 3 do n.C.P.Civil que não havendo acordo entre os interessados sobre as questões controvertidas, o juiz deve proceder à realização das diligências instrutórias necessárias.”

 

De maneira a que, no âmbito do poder-dever que recai sobre o Tribunal, sempre deveria/poderia o Tribunal a quo “fazer uso dos instrumentos internacionais existentes em matéria de “Cooperação judiciária em matéria civil e comercial”, mais concretamente no domínio da obtenção de provas – o Regulamento (CE) 1206/2001 do Conselho, de 28/5/2001, expedindo carta rogatória com vista à obtenção das informações e/ou provas em causa”, para o que poderia/deveria ter remetido para os meios comuns, nos termos previstos no art. 1093º nº 1, aplicável ex vi do art. 1105º, nº3, ambos do C.P.C..

 

Nessa senda, decidiu o Tribunal da Relação pela revogação da decisão proferida, “determinando a sua substituição por outra decisão através da qual se proceda à realização das diligências instrutórias legalmente admissíveis requeridas pela Reclamante e ora recorrente, ou que sejam necessárias, para decidir a suscitada questão da falta de relacionação de bens, sem prejuízo da remessa dos interessados para os meios comuns no que tange a eventuais contas bancárias e bem imóvel sedeadas e localizado, respetivamente, em França”.

 

*

 

Sumário:

“I – Estando em causa para uma decisão sobre a falta de relacionação de bens em Inventário, a obtenção de informações ou provas junto de entidades da República Francesa, não pode um tribunal português solicitar diretamente a entidades sediadas noutros Estados, informações e/ou provas sobre contas bancárias e bem imóvel também sedeadas (aquelas) e localizado (este) fora de Portugal, por estarem essas entidades apenas sujeitos às normas desse Estado (estrangeiro) Francês, regendo-se essa entidades por um ordenamento jurídico específico e diverso do Português.

II – Tal não retira que o Tribunal Português possa fazer uso dos instrumentos internacionais existentes em matéria de “Cooperação judiciária em matéria civil e comercial”, mais concretamente no domínio da obtenção de provas – o Regulamento (CE) 1206/2001 do Conselho, de 28/5/2001, expedindo carta rogatória com vista à obtenção das informações e/ou provas em causa.” 




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