Analisa os pressupostos da mudança do leito de servidão, bem como modo e tempo de exercício da mesma.
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Conforme preceitua o art. 1543.º do Código Civil (C.C.), “Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia”.
Em relação ao seu exercício, determina o art. 1565.º do C.C. que, quanto à sua extensão – e na falta de título (cfr. art. 1564.º), o respetivo direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação, e que, em caso de dúvida em relação à sua extensão e exercício, entender-se-á a servidão como sendo constituída por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.
Na sequência do determinado nos referidos artigos, encontra-se previsto no capitulo referente ao exercício das servidões a possibilidade de operar a mudança de servidão, sem que esta possibilidade possa renunciável ou limitada por negócio jurídico (cfr. n.º 4 do art. 1568.º do C.C.).
Este preceito legal prevê três possibilidades distintas quanto à mudança da servidão (leito), a saber:
1 – o proprietário do prédio serviente pode, a todo o tempo, exigir a mudança da servidão para sido diferente, SE a mudança lhe foi conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, fazendo-o à sua custa (cfr. n.º 1 do art. 1568.º do C.C.);
2 – o proprietário do prédio serviente pode, a todo o tempo, exigir a mudança da servidão para outro prédio, passando a onerar este, desde que com o consentimento deste terceiro (cfr. n.º 1 do art. 1568.º do C.C.);
3 – o proprietário do prédio dominante pode, a todo o tempo e à sua custa, requerer a mudança da servidão, se dessa mudança lhe advierem vantagens e com ela não foi prejudicado o proprietário do prédio serviente (cfr, n.º 2 do art. 1568.º do C.C.).
Quanto ao modo e tempo do exercício da servidão, aplicar-se-ão os mesmos critérios. (cfr. quanto a estes o disposto no n.º 3 do art. 1568.º do C.C.) -
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No caso concreto, o Autor propôs a competente ação peticionando que fosse declarada constituída a favor dos prédios dos A. e onerando os prédios dos RR. uma servidão permanente de passagem de carro, contra o pagamento da indemnização que vier a ser arbitrada e que se estima que não seja superior a 500,00€,
Para tanto, o no âmbito dos respetivos autos, foi dado como provado, além do mais, os seguintes factos:
“- encontra-se constituída servidão de passagem a pé a favor dos prédios dos AA sobre os prédios dos RR.
- encontra-se ainda constituída servidão de passagem de carro a favor dos prédios dos AA. sobre os prédios dos RR., para afolhar e desafolhar, ou seja, na época das sementeiras (abril) e na época das colheitas (setembro);
- essa servidão tem o comprimento total de 83,90 metros: 56,10 metros no prédio pertença dos RR. CC e DD e 27,80 metros no prédio do Réu EE;
- Para a passagem de carro, a largura da servidão é de 3,15 metros no seu ponto mais largo, na sua zona final;
- Na altura de passagem apenas a pé, a passagem tem 60 cm de largura, sendo os restantes metros cultivados pelos RR. CC e DD quando a servidão se faz apenas a pé;
- No restante caminho, a passagem tem 3,79 m de largura no seu ponto mais largo e 2,05 m de largura no seu ponto mais estreito;
- No início do caminho público que dá acesso ao caminho de servidão, a passagem tem 3,07 metros de largura;
- Mais à frente, o caminho público afunila, tendo apenas 2,18 m de largura:
- Num dos seus prédios referidos no ponto os Autores construíram um pequeno curral de animais, que não se encontra legalizado;
- A 23/05/2023, os Autores tinham, no referido curral, um bezerro, dois porcos e frangos;
- Para cuidar dos referidos animais, os Autores têm de transitar diariamente pelos prédios dos RR., tendo também de levar matos, palhas e rações, bem como retirar estrume;
- A 23/05/2023, os Autores tinham milho plantado, a ocupar a maioria do seu terreno;
- Na mesma data, numa zona mais à frente e de pequenas dimensões, os Autores tinham as seguintes culturas: batatas, couves, cebolas, tomates, abóboras, flores, alface, curgete e videiras;
- Nessa data, existiam fardos de palha ao lado do curral.
“
(sublinhado nosso).
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Desta forma, estamos perante uma servidão que se encontra a onerar o prédios dos Réus, e que apresenta dois modos de exercício de servidão, a saber:
A pé, durante todo o ano; e
De carro nas épocas das sementeiras (abril) e das colheitas (setembro).
Conforme decorre da legislação acima mencionada, o modo e tempo do exercício da servidão poderão ser alterados, a pedido de qualquer um dos proprietários – prédio dominante ou serviente -, desde que se verifiquem os respetivos requisitos plasmados nos n.ºs 1 e 2 do art. 1568.º do C.C..
Ora,
Em relação à alteração do leito para outro sítio diferente (locus servitutis) a que aludem os n.ºs 1 e 2 do art. 1568.º do C.C., o legislador utilizou uma redação distinta, consoante o requerente seja o proprietário do prédio serviente (n.º 1) ou do prédio dominante (n.º 2).
Como tal, em relação ao proprietário do prédio serviente, basta comprovar-se a conveniência para este, e inexistência de prejuízo para o prédio dominante.
Já em relação ao proprietário do prédio dominante, o legislador exigiu que fossem comprovadas as vantagens da alteração, e inexistência de prejuízo para o prédio serviente.
Pelo que, em relação ao prejuízo da parte contrária, o prejuízo deverá ser “sério” e “relevante”, afastando a “mera futilidade da oposição, o mero não querer egoístico”.
Já quanto ao primeiro fator – “conveniência” e “vantagens”, verifica-se uma maior exigência na situação em que a mudança é pedida pelo proprietário do prédio dominante, porquanto o que este visa é efetivamente comprimir um direito de propriedade, agravando a posição do prédio serviente.
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No caso concreto, para que os Autores – proprietários do prédio dominante pudesse ter provimento na ação – i.e., na alteração do modo e tempo da servidão – a pé durante o ano inteiro e de carro nos meses de abril e setembro, para de carro durante todo o ano – era necessário que demonstrassem que de tal alteração adviessem vantagens reais (i.e., sérias, palpáveis, efetivas”), novas utilidades ou benefícios.
Ademais, para o mencionado efeito, os Autores também não demonstraram que os Réus – proprietários do prédio serviente – não ficassem prejudicados com a alteração.
Antes pelo contrário, demonstrado ficou que os Réus cultivavam a área correspondente à diferença entre a destinada à servidão a pé e de carro, nos meses em que apenas a primeira vigorava (i.e., durante o ano que não nos meses de abril e setembro).
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Decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra que,
a) por um lado, não ficaram comprovadas as vantagens reais, as novas utilidades ou benefícios para si da alteração, nomeadamente em face de não poderem alicerçar tal pretensão numa construção ilegal, e
b) por outro lado, não demonstraram a inexistência de prejuízos para o proprietário do prédio serviente, antes pelo contrário, pois que, no resto do ano – que não abril e setembro -, estes ficariam impedidos de cultivar o terreno afetado pela serventia de carro.
De maneira a que julgou a respetivo recurso improcedente, mantendo a decisão de absolvição dos réus proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância.
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Sumário:
“I – A propósito da mudança do leito da servidão para sítio diferente (locus servitutis) a que se referem os n.ºs 1 e 2 do art. 1568.º do Código Civil o legislador, embora sempre de forma manter o equilíbrio das posições respetivas, utilizou uma redação ligeiramente distinta; quando a mudança seja efetuada a pedido do proprietário do prédio serviente (n.º 1), basta-se com a conveniência para este, desde que com isso não fiquem prejudicados os interesses do proprietário do prédio dominante, já quando se trate de mudança a pedido do dono do prédio dominante (n.º 2), é consentida quando dela resultem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio dominante.
II – Se quanto ao prejuízo da contraparte (2.ª parte dos referidos preceitos) parecem não subsistir dúvidas quanto à sua coincidência exegética - em ambos os casos esse prejuízo deve ser sério, relevante, afastando a mera futilidade da oposição, o mero não querer egoístico – quanto ao outro requisito o legislador parece ter pretendido uma maior exigência (advirem vantagens e não a simples conveniência) na situação em que a mudança é pedida pelo proprietário do prédio dominante, o que se compreende na medida em que visa precisamente a compressão do direito de propriedade, tornando mais gravosa a posição do prédio serviente.
III – A alteração do modo e do tempo do exercício da servidão efetuada a pedido do proprietário do prédio dominante (art. 1568.º, n.º 3 do Cód. Civil) está dependente da prova em como da alteração lhe advenham vantagens reais (sérias, palpáveis, efetivas), novas utilidades ou benefícios, de caráter real e não simples comodidades subjetivas."
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