Analisa, além do mais, as consequências processuais inerentes à cessação de crédito bancário sem que o credor originário/instituição de crédito tenha integrado o devedor no PERSI.
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O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
O regime previsto no referido Decreto-Lei aplica-se às seguintes situações:
a) Contratos de crédito relativos a imóveis abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, na sua redação atual;
b) (Revogada.)
c) Contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, na sua redação atual;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, na sua redação atual;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
- cfr. n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Nos termos do disposto no art. 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro,
“
1 - Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que:
a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, devendo a instituição de crédito assegurar que essa integração ocorre na data em que recebe a referida comunicação;
b) O cliente bancário que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito entre em mora, devendo a instituição de crédito assegurar que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento.
”
Já de acordo com a al. b) do n.º 1 do art. 18.º do referido diploma,
“No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (…) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
Conforme explica o aresto em questão, tendo lugar a falta de pagamento das prestações devidas pelo devedor, a integração do devedor em mora no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) é obrigatória (art. 12° e 14°, n° 1) e a execução apenas pode ser instaurada após a extinção daquele procedimento.
Ademais, sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI, a sua omissão implica a ocorrência de uma exceção dilatória inominada, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva.
Caso haja uma cedência do crédito, ainda que a uma entidade que não seja uma instituição de crédito, sem que tenha havido integração do cliente bancário incumpridor no PERSI, estando obrigada a fazê-lo, não pode também a adquirente prosseguir com a execução, pois que a obrigação advém da natureza do crédito, e não do credor.
Como explicam os Juízes Conselheiros,
“Donde se concluir que o legislador do Dec.-Lei nº 227/2012, de 25.10 visou impedir/proibir que houvesse lugar à cessão de créditos, também a terceiros que não sejam instituições de crédito, e, outrossim, à instauração da acção ou execução antes de o devedor em incumprimento ter sido integrado no PERSI e durante a execução deste procedimento, isto é, antes de o mesmo ter sido declarado extinto.
E disse-o sem rodeios ou brechas (“lacunas”), de forma que não há lacuna na lei a colmatar por via de uma hipotética interpretação “extensiva”.
Se assim não fosse, é evidente que bastaria que a mutuante simulasse uma cedência dos créditos a um terceiro que não fosse uma instituição de crédito para tornear a proibição legal de prosseguimento de acção ou execução contra o devedor em incumprimento sem que este tenha sedo integrado no PERSI e durante a sua execução. Não duvidamos que seria uma clara fraude à lei. Era uma claríssima forma de deixar entrar pela janela o que proibiu que entrasse pela porta, sob pena de se frustrar completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.
Como tal, não pode aceitar-se como admissível a cedência do crédito à exequente/Embargada Panorama Jubilante, S.A., por banda da mutuante Caixa Económica Montepio Geral, sem que desse cumprimento ao PERSI (e antes de o mesmo ser declarado extinto), daí a ausência de procedibilidade por banda da Exequente.”
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No caso concreto, por determinada instituição bancária foi cedida a determinada entidade um créditos contraído a si.
Posteriormente, a entidade adquirente do crédito / “nova” credor, intentou ação executiva contra o devedor.
Sucede que o credor nunca foi integrado no PERSI, tendo vindo a ser, a final, absolvido da instância por esse motivo pelo Tribunal da Relação, sem necessidade de alegação por se tratar de uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso,.
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Sumário:
“(...)
III. Verificando-se os pressupostos do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), é obrigatória a integração do cliente bancário nesse regime, caso em que a acção/execução judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção desse procedimento.
IV. A omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configura, também, excepção dilatória atípica ou inominada, conducente à absolvição do executado da instância executiva.
V. Trata-se de uma exceção de conhecimento oficioso, e, como tal, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado (tal como resulta da ressalva prevista no art. 573º, n.º 2, in fine do CPC), para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – ut art.ºs 726º, n.º 2, b) e 734º do CPC.
VI. Considerando que o legislador do Dec.º-Lei nº 227/12, de 25.10 teve o cuidado de plasmar todo um conjunto de garantias de defesa aos clientes em situações de mora ou incumprimento, maxime no artº 18º (Garantias do Cliente bancário), estando o mutuário/devedor em situação de lhe ser aplicado o PERSI, a entidade bancária não pode ceder o crédito a terceiro (instituição não bancária) sem ter previamente cumprido as exigências decorrentes do regime ínsito no regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25.10.
VII. De outro modo, estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012 (bastando que, em violação desse diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido),
VIII. o que representaria uma autêntica fraude à lei, pois era uma forma de deixar entrar pela janela o que o legislador proibiu que entrasse pela porta, frustrando-se completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.”
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