No nosso ordenamento jurídico e no âmbito do casamento, os esposos podem fixar livremente o regime de bens a vigorar na constância do casamento.
Concretamente, podem vigorar três diversos regimes de bens: regime de comunhão geral (cfr. arts. 1732.º a 1734.º); b) regime de comunhão de adquiridos (cfr. arts. 1721.º a 1731.º); e c) regime de separação (cfr. arts. 1735.º e 1736.º).
Em termos gerais, quanto a estes regimes cumpre especificar que, não sendo celebrada convenção antenupcial a determinar o regime aplicável (ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da mesma), vigorará o regime supletivo de comunhão de adquiridos (cfr. art. 1717.º), pelo que é este o regime predominante.
Já uma das exceções à escolha do regime ocorrerá no caso de um dos esposos ter sessenta ao ou mais anos, caso em que vigorará o regime imperativo de separação de bens. (cfr. art. 1720.º n.º 1 al. b)).
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No âmbito do regime (supletivo) de comunhão de adquiridos são considerados bens próprios, entre outros, os bens que cada um dos cônjuges tiver ao tempo da celebração do casamento (cfr. al. a) do n.º 1 do art. 1722.º) (correspondendo dinheiro a um bem móvel (cfr. art. 205.º).
O cerne do problema aqui versado prende-se com os bens sub-rogados no lugar de bens próprios, sendo que, nos termos da al. c) do art. 1723.º, “Conservam a qualidade de bens próprios (…) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges”.
Ou seja,
De acordo com o texto da lei, e através de exemplos práticos, teríamos que, na constância do matrimónio, e vigorando o regime supletivo de comunhão de adquiridos,
a) um bem (móvel – ex. viatura; ou imóvel) adquirido com dinheiro próprio de um dos cônjuges pelo outro cônjuge faria com que o bem se tornasse bem comum;
b) um bem (móvel – ex. viatura; ou imóvel) adquirido com dinheiro próprio de um dos cônjuges pelo respetivo cônjuge faria com que o bem se tornasse bem comum; e
c) um bem (móvel – ex. viatura; ou imóvel) adquirido com dinheiro próprio de um dos cônjuges por ambos, sem que fosse mencionada a proveniência do mesmo (e, desta forma, a natureza de bem próprio) faria com que o bem se tornasse bem comum;
Concretizando, de acordo com a letra da lei, para que esta sub-rogação opere, salvaguardando o direito do cônjuge proprietário do bem próprio, são impostos dois requisitos cumulativos: a) que fique a constar no respetivo documento que o bem foi adquirido com valores provenientes de (ou que consubstanciem eles mesmos) bens próprios de um cônjuge; e que ambos os cônjuges intervenham no documento.
Assim, nos exemplos acima mencionados, e considerando a redação da al. c) do art. 1723.º, o dinheiro/bens utilizados para os mencionados efeitos passaria então a integrar o património comum do casal, perdendo a sua qualidade de “bem próprio” aquando de uma eventual dissolução e partilha da comunhão.
A situação em apreço foi objeto de larga discussão na jurisprudência e a doutrina dando azo a distintas interpretações, tendo sido através do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2015 que a interpretação da redação ficou assente, uniformizando jurisprudência e prevalecendo um entendimento desconforme da exata letra da lei, mas em consonância com o pensamento subjacente ao ordenamento jurídico.
Desta forma, foi fixada jurisprudência no sentido de que
“Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723.º, c) do Código Civil [menção à proveniência do dinheiro ou valores e intervenção de ambos os cônjuges] não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que [este] não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio [e aqui s.m.o. ainda que de forma indireta, com prova dos subsequentes atos até obter o valor/bem utilizado para efeitos de aquisição], que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem é próprio, não integrando a comunhão conjugal”.
A discordância do entendimento dos Tribunais Superiores com o exato texto da lei advém assim da eventual existência de terceiros interessados/intervenientes nos contratos, pois que, no caso de existirem, a sua situação jurídica apenas ficará assegurada se for expressa a natureza do bem como próprio, ficando assim o terceiro em condições de avaliar a eventual fragilidade da sua posição jurídica, por força das consequências inerentes à natureza de bem próprio.
Em suma,
Os dois requisitos cumulativos previstos na al. c) do art,. 1723.º serão condição necessária da sub-rogação apenas e só se existirem terceiros interessados. Caso contrário, não será necessário que se verifiquem para que opere a sub-rogação.
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Por fim, enquadrando em parte o acima exposto, ainda que de distinta da situação aqui analisada, de frisar as seguintes situações atinentes aos respetivos regimes de bens:
a) nos termos do art. 1726.º, Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações” (n.º 1), ficando sempre salvaguardada a compensação a favor do cônjuge que cedeu bens ou dinheiro próprio aquando da dissolução e partilha da comunhão (n.º 2); e que
b) nos termos do n.º 1 do art. 1791.º, vigorando o regime de separação de bens, ainda que ambos os cônjuges intervenham na outorga da escritura de aquisição de um imóvel, e ainda que seja para habitação própria e permanente, sendo os bens utilizados para o efeito propriedade de um dos cônjuges, em caso de divórcio, será lícito ao cônjuge que detinha os bens/valores utilizados para o efeito exigir metade das despesas que teve com a aquisição do imóvel, por se tratar de um benefício recebido em consideração ao estado de casado.
Nota Final: Todas as referência a artigos dizem respeito ao Código Civil.
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